"Eis-me aqui.
Diante do grande rio cujas águas lamacentas irradiam reflexos avermelhados dos raios de um sol já a pino.
Eis-me aqui, ao pé da árvore da Compaixão.
É uma enorme figueira-de-bengala, à sombra da qual gosto de meditar.
As suas raízes, amplas e retorcidas, mergulham há séculos nas águas do rio Ganges.
As suas lianas, algumas finas como brotos de bambu e outras grossas como troncos de ébano, pendem dos galhos para, por sua vez, se enraizarem no solo.
A árvore precisa da água, assim como o homem tem sede de libertação.
Em breve eu mesmo me libertarei do peso da minha carga humana e entrarei no Nirvana.
Então me extinguirei, para me tornar ainda menor do que o menor grão de areia, ainda mais leve do que a mais leve penugem de um pintarroxo, e ainda mais transparente do que a mais transparente gota de chuva...
Sou a derradeira reencarnação de milhões de seres humanos e animais dos quais a minha alma adotou a forma deste tempos imemoriais.
Para mim cessou o ciclo dos nascimentos, das mortes e dos renascimentos do Samsara. Ensinei aos homens e às mulheres como deveriam se comportar para não mais sofrerem.
Quando o vento da morte levar o meu último suspiro, não tornarei a reencarnar...
Eis-me aqui.
Para sempre.
Em meio a vós."
(José Frèches - Eu, Siddharta, o Buda - Ediouro, Rio de Janeiro, 2005 - p. 13)
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