OBJETIVOS DO BLOGUE

Olá, bem-vindo ao blog "Chaves para a Sabedoria". A página objetiva compartilhar mensagens que venham a auxiliar o ser humano na sua caminhada espiritual. Os escritos contém informações que visam fornecer elementos para expandir o conhecimento individual, mostrando a visão de mestres e sábios, cada um com a sua verdade e experiência. Salientando que a busca pela verdade é feita mediante experiências próprias, servindo as publicações para reflexões e como norte e inspiração na busca da Bem-aventurança. O blog será atualizado com postagens de textos extraídos de obras sobre o tema proposto. Não defendemos nenhuma religião em especial, mas, sim, a religiosidade e a evolução do homem pela espiritualidade. A página é de todos, naveguem a vontade. Paz, luz, amor e sabedoria.

Osmar Lima de Amorim


terça-feira, 18 de janeiro de 2022

ALTRUÍSMO LIVRE DE APEGO

"Porém, até que esse nível de percepção seja atingido, cada momento de sua vida surge da dependência de outro. Você usa roupas e se senta em cadeiras feitas por outras pessoas. Come alimentos cultivados e cozidos por outras pessoas. Por mais que queira acreditar que alcançou realizações com seus próprios esforços, você está unido a todos os outros seres. 

Essa percepção de nossa interdependência leva diretamente a um senso de responsabilidade e à necessidade de abrir mão do desejo de aquisição. Até que tenhamos atingidos o verdadeiro altruísmo, livre da ignorância, podemos começar devolvendo aquilo que recebemos para beneficiar os outros da melhor maneira possível.

Podemos chamar isso de compaixão, amor, cuidado. O significado é o mesmo: em suas ações, palavras e pensamentos, você considera os outros antes de você mesmo. Alguns de nós praticamos a meditação para alcançar essa compreensão; outros são capazes de entender isso por si sós. Mas não importa falar a respeito da compaixão - o importante é praticá-la.

Você precisa de sabedoria para se olhar internamente e ver que tipo de pessoa você é. Compaixão significa abrir mão da autoidentidade, parar de tentar provar sua identidade o tempo todo. Significa que você trabalha da maneira como o vento trabalha, como o sol trabalha, como o ar trabalha. O ar assume a forma de um aposento. Ele não diz 'vou lhe dar este espaço para respirar, desde que você respire da maneira que eu quero'. o mesmo se dá com o sol; ele não para de brilhar quando há nuvens no céu.

Dessa maneira, o altruísmo livre do apego - a compaixão usada com sabedoria - significa ir além do modo como você quer fazer as coisas. Se você consegue abrir mão de se tornar a pessoa mais importante do mundo, haverá mais capacidade e mais espaço dentro de você para trabalhar com os outros. Você descobrirá mais espaço, tempo e energia dentro de si. Imagine, por exemplo, que você consiga trabalhar como voluntário num hospital, mas descubra que há restrições e que você não pode fazer as coisas da maneira como quer. Você luta contra o sistema, fica exausto e conclui que sua compaixão não está sendo usada da melhor maneira. Mas o que precisa ser compreendido, ao aplicar a sabedoria à sua compaixão, é o quanto de solidez você está trazendo para a situação. Ao insistir em como as coisas deveriam ser, você cria uma frustração que prejudica a criatividade que poderia aplicar à situação.

Quando queremos gerar compaixão, terminamos trabalhando com nossas próprias emoções. Descobrimos que uma situação nos oprime na mesma medida em que nós a solidificamos. Portanto, sem sabedoria, a compaixão não atuará. A sabedoria é o que nos permite ser imparciais em nossas ações. Com sabedoria, não estamos limitados a uma causa ou propósito; fazemos o melhor que podemos numa determinada situação e seguimos em frente. 

Sem sabedoria, frequentemente focamos um único problema ou questão que pensamos ser mais importante. Mas vivemos num mundo que é habitado por seres humanos, e enquanto houver bilhões de humanos não haverá uma única coisa que todos aceitem. Muitas coisas não são feitas da maneira como você gostaria. 

Diferentes filosofias surgiram da compaixão - Cristianismo, Budismo, Islamismo, Hinduísmo. Mas eu acredito que esta é a correta, você acredita que aquela é correta, e uma terceira pessoa acredita em outra. Mesmo um conceito tão universal quanto a compaixão, os budistas chamam de bodhicitta, os hindus chamam de karuna, os cristãos chamam de amor. Nós nos aferramos a nossos próprios termos."

(Khandro Rinpoche - Compaixão para uma vida melhor - Revista Sophia, Ano 15, nª 70 - p. 10)
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quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

COMPAIXÃO PARA UMA VIDA MELHOR

"Nós fazemos o melhor possível para viver num mundo baseado em gentileza e compaixão. No entanto, às vezes, o que eu pessoalmente gostaria torna-se mais importante do que aquilo que é bom para a comunidade.

Na religião, na filosofia, na ciência ou na política, onde quer que haja uma sociedade humana, ela manifesta sabedoria e compaixão. Porém, devido à nossa tendência ao egoísmo, a valorizar nossos gostos e aversões, nós nos isolamos dos outros. Não permitimos que a abertura entre seres humanos se expresse por causa de duas coisas fundamentais: esperança e medo. Todos nós queremos a felicidade e ninguém deseja sofrer. Assim, cada ação é motivada pela esperança de ser feliz e de evitar a dor; desenvolvemos uma atitude muito egoísta. 

Todas as filosofias e religiões do mundo almejam pôr abaixo a muralha do autoisolamento, para que possamos trabalhar uns com os outros com verdadeiro cuidado e compaixão. Do ponto de vista budista, examinamos a nós mesmos cuidadosamente - não para nos culpar por criar divisão, mas como um modo de trabalhar a principal causa do problema. 

O problema não está no mundo, ou nos outros, mas em nós. A sabedoria é inata em nós, mas nosso envolvimento com o ambiente e a distração de nossas emoções causa um obscurecimento que impede a auto-observação. Não nos damos tempo e espaço suficientes para usar nossa sabedoria e nos observamos antes de agir. 

No entanto, por meio da meditação ou da autoanálise, a sabedoria pode surgir no nosso interior. Meditação é um processo de olhar para dentro, de refrear a tendência dualista de prestar mais atenção às questões externas do que às internas, com as quais não queremos lidar.

Uma sociedade baseada na paz, na harmonia, na sabedoria e na compaixão não vai surgir a não ser que cada pessoa comece consigo mesma. Com nosso fracasso em usar a sabedoria inata, damos desculpas para não começar com nós mesmos. A maior desculpa é que precisamos que a outra pessoa mude primeiro. Se as coisas não acontecem de maneira como eu quero, a culpa é do outro. 

As percepções do mundo externo têm muito a ver com nossa atitude interior. A mente cria desculpas que refletem o que sentimos. Quando vemos uma pessoa e ela faz algo de que gostamos, então ela é uma boa pessoa. Mas se a mesma pessoa faz algo de que não gostamos, ela é uma pessoa ruim. Portanto, a transformação do mundo externo deve começar com a transformação interior. Somente quando o eu é subjugado, e quando uma boa percepção surge, é que temos força para nos relacionar da maneira apropriada com os outros.

O coração é basicamente bom, generoso e compassivo, mas não necessariamente atua com sabedoria. Temos muitas pessoas prontas para agir em prol de um mundo melhor, mas que ainda veem a filosofia, a religião e a política segundo o que elas gostam e querem. 

A realização da sabedoria interior em cada ser humano deve começar com o treinamento do eu. A ignorância não é algo que vem dos outros; ela vem da projeção do eu. Na filosofia budista falamos muito a respeito de ilusão - como a mente cria fenômenos externos que passamos a ver como sólidos e permanentes. Na meditação nós avaliamos a natureza onírica dos fenômenos externos. O primeiro passo é entender como surge a ilusão - como a mente atua para criar e solidificar o mundo. Se pudermos abrir mão de apego à ilusão, estaremos livres da dor, das expectativas, das esperanças e dos medos."

(Khandro Rinpoche - Compaixão para uma vida melhor - Revista Sophia, Ano 15, nª 70 - p. 9)
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terça-feira, 11 de janeiro de 2022

VIVER COM INSPIRAÇÃO

"Há um aforismo que diz que 'conhecimento é poder'. É uma afirmação que tem um certo apelo, porque parece estar de acordo com nossa experiência diária e com nosso senso comum. Cada vez que aprendemos uma nova habilidade ou aplicamos alguma informação, influenciamos o nosso ambiente para melhor ou pior. Nesse sentido, nosso conhecimento é poder. Mas será que ele vai somente até aí?

Conhecimento é um termo flexível que pode abranger muitas coisas. Na conversação normal, o termo conhecimento pode significar uma variedade de coisas - do endereço do supermercado na vizinhança aos dados de um experimento físico, ou até a descrição do corpo astral. Embora diferente em conteúdo e qualidade, o processo de obter conhecimento é o mesmo. Os órgãos dos sentidos enviam impressões à pessoa. Segundo a ciência contemporânea, o sistema nervoso informa ao cérebro. Na tradição da Sabedoria Perene, que reconhece a primazia da consciência, o processo tem um alcance mais amplo. Em sânscrito, os jnanendriyas (órgãos do conhecimento) transferem nossas percepções para camadas sempre mais profundas de nosso ser. O que começa como uma impressão física torna-se uma sensação, depois um sentimento, e então se combina com o pensamento. A característica distintiva da informação é que, não importa qual seja o assunto, a informação não transforma. Na melhor das hipóteses, é um fenômeno mental. 

Para aqueles que estão continuamente engajados no processo de autotransformação há uma hierarquia de percepção na qual o conhecimento normal é o primeiro passo. O desabrochar da consciência move-se do conhecimento para a compreensão até a sabedoria. O conhecimento é o construtor. Ele fornece estrutura, que é uma função da mente. A compreensão dá significado às estruturas que a mente constrói e é uma função de buddhi (em sânscrito, a intuição espiritual). A sabedoria é como o espaço, que contém todas as coisas, define todas as coisas, mas não pode ser identificado por nenhuma nem por todas elas. É a natureza da realidade. Nas palavras de Krishna, 'tento penetrado este universo com um fragmento de mim mesmo, Eu permaneço'. Nós experienciamos isso como a percepção da realidade; do irreal conduz-me ao real. 

Para a maioria de nós a necessidade é mover-nos para além da tendência da mente de obter informação, para a função mais profunda da mente iluminada pela intuição espiritual. Somente essa mente reflete a amplidão, a criatividade, a compreensão, a liberdade e a compaixão que caracterizam uma vida inspirada. 

De tempos em tempos encontramos o termo 'círculo vicioso', que se refere à tendência para a ação não inteligente produzir reações indesejadas num ciclo fechado. O exemplo mais proeminente desse processo é encontrado no conceito em sânscrito chamado samsara, muitas vezes descrito como a roda de repetitivo nascimento, doença, velhice, morte e renascimento. Em nossa abordagem à compreensão aplica-se o mesmo princípio, exceto que ele poderia ser mais corretamente chamado de 'círculo virtuoso'.

Atos compassivos e amorosos evocam uma resposta da nossa natureza superior, iluminando nossos corações e mentes, que por sua vez permitem-nos agir com percepção e discernimento mais profundos. O processo autoiniciado de continuamente nos colocarmos na presença de pensamentos e emoções coloridos pelo amor é o que podemos chamar de viver inspirado - um processo que necessariamente resulta na elevação da visão sintética, da percepção global, da compreensão oniabarcante e do senso de unidade a que chamamos compreensão."

(Tim Boyd - Viver com inspiração - Revista Sophia, Ano 16, nº 73 - p. 5/6)
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quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

A MORTE DO MEDO

"Do que sentimos medo? É mesmo medo o que sentem os animais quando ameaçados? Ou é uma reação pós-ansiedade, receio do desconhecido ou reação a algum trauma? Existem muitas formas de manifestar o medo; poderíamos citar uma dezenas delas. A ignorância gera medo, assim como as histórias que acabaram em infortúnio. Mas uma coisa é certa: em todos os casos de medo, enquanto eles existem, decerto nada ainda ocorreu. 

A morte é um dos grandes motivos por trás do medo, como também o nosso futuro instável. Há o medo do sofrimento, da dor física, do descaso - e o medo de ser esquecido, que é uma consequência da morte. Não queremos ser esquecidos, pois quem é esquecido morre para a existência. Algumas etnias indígenas, como a dos índios xavante, evitam falar sobre quem morreu, queimam todos os bens de quem se vai, raspam a cabeça em luto e prosseguem com a vida. O legado não fica no nome, mas na continuidade pelos herdeiros, a tradição, a alma, ou o verdadeiro eu, que se transforma em um antepassado, um espírito conselheiro que se manifesta pelas forças da natureza e pelos sonhos.

Na maioria das culturas existe algum tipo de pós-vida, uma morada espiritual, paraíso, totalidade, umbral, inferno, xeol, tártaro, trevas ou castigo. Existe algum tipo de julgamento da alma ou uma consequência dos atos em vida. Mesmo entre os ateus há a crença na dissolução completa da consciência, ou seja, alguma coisa se extingue. Chamemos ou não de alma, o ser corpóreo é veículo de uma inexplicável existência consciente. As religiões, em grande parte, realizam cultos para os mortos, os antepassados, cultos sobre a transição da consciência e reverências à memória, que é uma forma de identificar a personalidade de quem partiu.

O apego a quem amamos gera sofrimento, pela dor da partida ou pelo nosso próprio ego, que não quer sofrer com a ausência. Temos medo do que virá, e, por isso, permanecemos em um sofrer alimentado pela memória e pelo inconformismo, e nos esforçamos para continuar com a verdade inevitável. Não somos educados para morrer ou conhecer a finitude, nem para lidar com o nosso próprio fim. Por isso também os sábios, os santos e as religiões nos falam da importância da alma, ou de quem realmente somos. Não somos um corpo tendo uma vida espiritual; somos um espírito tendo uma vida material - essa máxima pode mudar todo o entendimento, as possibilidades e a perspectiva da vida. 

É imprescindível buscar o significado da vida em face da consciência, das possibilidade de compreender a morte não mais como o fim, mas como uma mudança de paradigma. Os estudos sobre a consciência argumentam que a morte é apenas uma mudança de realidade eletromagnética. Pessoas que tiveram experiências de morte clínica e retornaram relatam fatos semelhantes: encontro com consciências luminosas, personalidades divinas que os questionam sobre o significado de suas vidas. Como consequência, essas pessoas mudaram completamente sua vida, procurando dar um significado mais elevado a suas relações, transformando suas perspectivas e dando fim ao medo.

De certa forma, muitos de nós já vivem no esquecimento, perdendo-se na autocomiseração, ignorando o verdadeiro eu, que não é nosso ego ou a imagem com a qual nos identificamos. Poderia-se até dizer que existe uma forma de morte em vida. Tememos coisas que são transitórias: o que temos, o que poderíamos ter ou o que podemos vir a perder. Em todas as situações, o universo de possibilidade que criamos está em nossa mente, e é em nossa mente que tudo acontece (e talvez parte do que ocorre após a existência material). (...)

A morte do medo em face da vida acontece quando o altruísmo, a benevolência e a preocupação com o próximo se evidenciam como prática contínua de nosso despertar. É claro que outros tipos de medo, como aquele que nos protege quando estamos em perigo, ou o que nos previne contra acidentes, são mais uma forma de bom senso, um tipo de firewall em nosso programa humano. Um despertar da ignorância sobre a jornada da vida, por meio da aceitação pacífica e não passiva de nossas experiências, pode realmente ser uma experiência transcendental e luminosa. Não deixaríamos todos os medos de lado ainda que fôssemos iluminados, mas o produto de nossas ações já não seria a finitude do ser, e sim o despertar do eu. 

Como mostra o Budismo, a morte é uma consequência natural que faz parte das possibilidades de libertação da consciência, o fim dos ciclos de encarnação, que requer de nós, em vida, o despertar, o entendimento, a prática das virtudes que nos liberam do apego e do sofrimento. A bondade é o manto que encobre a mente com a insensatez dos que entram no fogo para salvar a vida de um simples animal e que saem sem sequer uma queimadura, pois não é a razão que está no comando, mas a alma, governando a vontade; 'e, quando isto que é corruptível se revestir da incorruptibilidade, e isto que é mortal se revestir da imortalidade, então cumprir-se-á a palavra que está escrita: tragada foi a morte na vitória. Onde está, ó morte, o teu aguilhão? Onde está, ó inferno, a tua vitória?' (1 Coríntios 15:54,55.)

O destemor requer de nós a vontade e a atitude de enxergar o lado de dentro antes do lado de fora, de atravessar o rio ou a rua, de falar sem receio de não ser aceito. Esse receio gera desconforto emocional, o que acontece entre os jovens dos dias de hoje, que se abrigam entre os que se sentem da mesma forma, com movimentos que neutralizam a alma com rótulos, ao invés de libertá-la. Em grande parte das vezes, vencer o medo não tem muito a ver com o entusiasmo ou coragem, mas com vencer a si mesmo. 

'E disse ao homem: eis que o temor do Senhor é a sabedoria, e apartar-se do mal é a inteligência.' (Jó 28:28.) É preciso entendimento e sabedoria; nem todo medo ou temor representa pânico, mas uma forma de respeito ou reverência, como neste trecho de poema: 'Eu respeito aquilo que temo; a grande montanha, o mar e a morte, a vida, o silêncio de Deus e minha verdadeira face longe do espelho e do jogo da sorte.'"

(Maurício de Andrade - A morte do medo - Revista Sophia, Ano 14, nº 63 - p. 8/11)


terça-feira, 4 de janeiro de 2022

A ESCALADA DA EVOLUÇÃO

"A escalada de uma montanha pode ser usada como uma metáfora para analisar a jornada da nossa alma. Existe a possibilidade de verticalidade em nossas vidas, com muitos níveis de realidade que são apreensíveis para nós apenas nos estados mais elevados de consciência. Da mesma forma, quando subimos uma montanha, a paisagem que se revela à nossa visão muda ao atingirmos os níveis mais elevados. O importante é empreender a verdadeira subida, em vez de se engajar em discussões a respeito das paisagens, conforme foram descritas por aqueles que empreenderam a escalada antes de nós.  

O pico de qualquer montanha que valha a pena ser escalada é invisível. Isso se deve às limitações do nosso aparato de percepção. Qualquer descrição do pico só pode ser compreendida no nível mental onde estamos agora. Enquanto esse nível de mente estiver ocupado com conhecimento, que inclui o desejo implícito ou explícito de controlar, a argumentação inteligente pode surgir, mas não a submissão à verdade. É necessário não apenas se livrar do conhecimento, que é sempre do passado, mas também do conhecedor, que separa a si mesmo daquilo que deve ser conhecido. Além disso, é também necessário livrar-se da necessidade de conhecer, que traz em si uma tendência inevitável para o controle e manipulação.

Porém, a base da montanha que vale a pena ser escalada é visível. É ali onde podemos encontrar muita orientação dos sábios e das escrituras, de modo que possamos fazer esforços na direção correta.

No entanto, a jornada é o empreendimento mais significativo, não o aprendizado das escrituras, nem a tentativa de vencer as discussões a respeito de como é o topo. No Bhagavad Gita, Krishna oferece um bom lembrete: o yogue busca refúgio em bhuddi (plena atenção) e adquire cada vez mais estabilidade de atenção, que não é perturbada pelo que teólogos, filósofos e cientistas disseram ou irão dizer. 

O significado da jornada não é ir a algum lugar, mas passar por uma transformação interior do corpo, mente e coração, de modo que nossas percepções se tornem cada vez mais puras e que vejamos o modo como é, não o modo como imaginamos que deveria ser. Mais do que qualquer coisa, o empreendimento dessa jornada de transformação requer de nossa parte o entendimento de que precisamos de uma transformação radical do nosso ser. Até que vejamos o que realmente somos, não poderemos apreciar a necessidade de transformação. Quando começamos a ver a nós mesmos com clareza e imparcialidade, passamos a entender a necessidade da transformação, porque vemos que nossa percepção da realidade é muitíssimo colorida pelo medo, pela autoimportância e pelas forças de recompensa e punição. Então sentimos que precisamos empreender a jornada e que ela vai requerer uma considerável quantidade de disciplina, sacrifício e trabalho duro. 

Somos naturalmente atraídos para o pico da montanha. É uma necessidade de nossa alma. Assim como a única propriedade de uma bússola é apontar para o polo norte magnético, a alma possui apenas uma propriedade: apontar para o real. Mas, do mesmo modo como a bússola pode ser confundida por fortes tempestades magnéticas em sua vizinhança, nossa alma pode ser confundida por fortes tempestades emocionais, a maior delas de medo e ambição. Assim, periodicamente voltamos nosso olhar em direção ao topo, pois é aquilo que nos atrai, aquilo é o nosso Krishna (da raiz karshati, atrair), mas precisamos nos preocupar com o próximo passo. Existem muitas armadilhas, fendas e obstáculos, e podemos cair, nos ferir ou ficar encurralados.

Não há garantias. Sábios e escrituras podem ser úteis, mas a jornada é sempre um voo do solitário para o Solitário. O melhor auxílio é o de companheiros buscadores que sejam de confiança, e daqueles que amam e apoiam não o que somos, mas aquilo que somos convocados a ser."

(Ravi Ravindra - A Escalada da Evolução - Revista Sophia, Ano 14, nº 63 - p. 5/6)