"Escreveste-me que estavas com saudades de mim - e me escreves para matar saudades.
Por favor, querida, não mates as tuas saudades.
Deixa viver as tuas saudades.
E, se morreres de saudades, é esta a mais bela das mortes.
Essa morte te fará viver na vida eterna - porque saudade é amor na ausência.
E será amor de presença eterna.
Quem morre de saudades morre de fome - e é mil vezes melhor morrer de fome do que viver com fastio.
Por vezes, o amor nos causa fastio - mas as saudades sempre nos deixam com fome.
Quem bebe da água das saudades terá sede outra vez.
Se o amor humano fosse amor integral, seria amor na presença - assim como saudade é amor na ausência.
Seria amor fascinante. sem fastio - assim como saudade é amor sempre faminto.
Mas o amor humano é suicida - mata-se a si mesmo.
É suicida por falta de transcendência - e excesso de imanência.
Só se pode amar deliciosamente o que sempre se possui - e sempre se procura.
O que é tão longínquo como a ausência - e tão propínquo como a presença.
Se Deus fosse apenas presença, e não também ausência - seria eu o rei dos ateus, ateu por fastio de Deus.
Mas como Deus é longínqua ausência e propínqua presença - eu vivo de saudades do Deus sempre presente e sempre ausente.
É esta a minha vida eterna.
A vida num Deus sempre possuído - e sempre procurado.
É este o estranho paradoxo da felicidade: procurar o que se possui - e possuir o que se procura.
Quanto mais o homem possui a Deus, tanto mais o procura.
A vida eterna é um incessante ser e um interminável devir, um estado - e um processo, um ter e um eterno querer.
Porque todo o finito em demanda do Infinito está sempre a uma distância infinita.
A vida eterna é uma sinfonia inacabada."