"Uma vez um amigo meu, de seis anos de idade, me perguntou: 'Finge que você está cercada por mil tigres famintos. O que você faz?' Eu visualizei a situação sugerida por ele e, sem conseguir chegar a um plano de ação viável, eu disse: 'Poxa, não sei. O que você faria?'. E ele respondeu: 'Eu parava de fingir'.
De muitas maneiras, o que costumamos fazer (fingir que somos alguém, que temos algo a demonstrar, engrandecer a ideia que fazemos de nós mesmos) é semelhante a imaginar que estamos cercados por mil tigres famintos. É um estado de medo baseado numa ilusão criada por nós mesmos. Sempre que nos vemos como um agente separado - um alguém - de certa maneira entramos em competição com outros 'alguéns' e precisamos nos proteger deles. Junto com as crenças no 'eu', no 'mim' e no 'meu' vêm o medo e os desejos. É um pacote fechado. Despertar significa a recusa de se permitir ter pesadelos como esse - é a simples decisão de parar de fingir. Fora isso, nada mais é necessário. Você não tem que acrescentar coisa alguma. Basta parar de dar atenção a pensamentos e crenças que não são verdade; então, sem qualquer esforço, essa beleza que você é, sua verdadeira natureza, aparecerá em todo o seu esplendor.
Uma metáfora clássica desse tipo de situação são as nuvens cobrindo o sol. Todos sabemos que as nuvens acabam passando; todos reconhecemos que o sol apenas se esconte atrás das nuvens, e que ele permanece presente o tempo todo. Da mesma forma, nossa verdadeira natureza, embora às vezes oculta, brilha sempre.
No entanto, se nossa verdadeira natureza é tão simples, tão acessível, tão óbvia, por que é tão comum que as pessoas não consigam percebê-la? Por que as pessoas fazem tanto esforço praticando técnicas, programas e religiões, apenas para se tornarem ainda mais entrincheiradas em ideologias, chegando mesmo a guerrear em defesa de sua 'fé'?
A resposta está no investimento que elas fazem em suas crenças. Uma vez entrevistei Krishnamurti. No início de uma pergunta que começava com as palavras 'você acredita que...', ele me interrompeu e disse: 'Eu não acredito em coisa alguma.' Mas a maioria das pessoas acredita em seus próprios pensamentos. Caso elas, por um longo tempo, tenham pensado muito sobre um determinado assunto, sentem que há um investimento de longo prazo nas crenças representadas por esses pensamentos. A boa notícia é que, em primeiro lugar, não precisamos acreditar em nossos pensamentos; em segundo lugar, não perdemos nada ao abandonar esse investimento de longo prazo nas coisas em que acreditamos. Pelo contrário; sem crenças em nossos pensamentos costumeiros, passamos a pensar com mais clareza. Assim afirmou Suzuki Roshi, quando disse: 'Na mente principiante há muitas possibilidades. Na mente especialista, há poucas.'
As crenças nos aprisionam num modo fixo de percepção que filtra a realidade como uma peneira e condiciona nossa real experiência de vida. Experimentamos aquilo em que acreditamos. Se temos a crença de que o mundo é um lugar perigoso, teremos a experiência de estar cercados de perigo por todos os lados. Se acreditamos ter sido maltratados na infância, viveremos como vítimas e nos sentiremos injuriados a cada momento. Se acreditamos que algo mais é necessário para que sejamos felizes - mais dinheiro, mais sexo, mais poder, mais fama - experimentaremos a carência, independentemente das bênçãos divinas à nossa volta."
(Catherine Ingram - O despertar do entendimento - Revista Sophia, Ano 15, nº 69 - p.33)