OBJETIVOS DO BLOGUE

Olá, bem-vindo ao blog "Chaves para a Sabedoria". A página objetiva compartilhar mensagens que venham a auxiliar o ser humano na sua caminhada espiritual. Os escritos contém informações que visam fornecer elementos para expandir o conhecimento individual, mostrando a visão de mestres e sábios, cada um com a sua verdade e experiência. Salientando que a busca pela verdade é feita mediante experiências próprias, servindo as publicações para reflexões e como norte e inspiração na busca da Bem-aventurança. O blog será atualizado com postagens de textos extraídos de obras sobre o tema proposto. Não defendemos nenhuma religião em especial, mas, sim, a religiosidade e a evolução do homem pela espiritualidade. A página é de todos, naveguem a vontade. Paz, luz, amor e sabedoria.

Osmar Lima de Amorim


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terça-feira, 5 de novembro de 2024

FORÇA

"Observo a situação de muitas pessoas e constato como somos fortes. Só que desperdiçamos muita energia para a cura de nossas feridas. Que feridas são essas? As feridas da alma. Instituições e pessoas no mundo inteiro trabalham para ajudar a humanidade a se curar.

Os ferimentos atingem nosso corpo físico, mas não somos o corpo físico. Somos um espírito imortal morando em corpos mortais: físico, emocional e mental. Possuímos também corpos mais sutis, por onde flui a Força Divina, manifestada como Vontade, Amor e Sabedoria.

Nascemos todos iguais. O que nos diferencia é o quanto desses princípios superiores nós conseguimos manifestar nos corpos inferiores.

Corpos são cascas, envoltórios, roupagens. Dentro deles mora um Anjo de Luz, ajudando-nos a limpar as paredes de nossa pele terrena, para que o Real se manifeste.

Jesus disse: "Meu Reino não é deste mundo... Não vos esqueçais: vós sois deuses!... e o Reino de Deus está dentro de vós."

Se nos lembrarmos disso, vai sobrar força e tempo para ajudarmos na construção de um mundo melhor. E o mundo começa em nossa casa, ou seja, dentro de nós."

Fernando Mansur, Escrita Divina, A comunicação da alegria, Edição do Autor, 2017, p. 97.
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terça-feira, 1 de outubro de 2024

UMA PROCURA INCANSÁVEL SOBRE NOSSAS ORIGENS

"Sabemos muito pouco também sobre nós mesmos. Quem somos? Como produzimos pensamentos e confeccionamos a consciência. Você já percebeu que você, tal como cada ser humano, é um ser único no teatro da vida?


Pensar e ter consciência parece tão simples, mas a ciência e todas as bibliotecas do mundo inteiro são insuficientes para explicar apenas a solidão de uma criança abandonada nas ruas. 

A vida humana é brevíssima. Vivemos num pequeno parêntese do tempo. Os políticos estão nos congressos, os professores em salas de aula, os médicos nos consultórios, as mães estão educando os seus filhos, os trabalhadores estão nas empresas, tudo parece tão comum e normal. Entretanto, muitos não compreendem que por mais que desempenhemos com seriedade nossas atividades, a vida humana, com todos os seus eventos, é apenas uma fagulha no tempo, que rapidamente cintila e logo se apaga.

Bastam dois instantes se encontrarem, o da meninice e o da velhice, para nos tornarmos apenas uma página na história. Você tem consciência da brevidade da vida? Tal consciência o estimula a busca a sabedoria superior?"

Augusto Cury, O Mestre do Amor, Editora Academia de Inteligência, São Paulo, 2002, p. 16/17.
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quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

VERDADE ESPIRITUAL E SABEDORIA


"A verdade espiritual e a sabedoria não são encontradas em quaisquer palavras de um sacerdote ou pregador, mas no 'deserto' do silêncio interior. As escrituras sânscritas dizem: 'Há muitos sábios com suas interpretações aparentemente contraditórias das escrituras e dos assuntos espirituais, mas o verdadeiro segredo da religião está oculto em uma caverna'. A autêntica religião se encontra em nosso interior, na caverna da quietude, na caverna da tranquila sabedoria intuitiva, na caverna do olho espiritual. Pela concentração no ponto entre as sobrancelhas, sondando as profundezas da quietude no olho espiritual luminoso, podem ser encontradas respostas a todas as questões religiosas do coração. 'o Consolador, o Espírito Santo (...) vos ensinará todas as coisas' (João 14:26)."

Extraído do livro "A Yoga de Jesus", de Paramahansa Yogananda, Self-Realization Fellowship, p.41/42.
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terça-feira, 18 de outubro de 2022

DISCIPULADO

"O discipulado é uma intensificação dos testes do
período probatório. Cada qualidade do discípulo, seja favorável ou adversa, é ativada pelo relacionamento mais íntimo com o Mestre. Se por um lado isso aumenta o poder do discípulo para o bem, por outro também aumenta suas dificuldades pessoais. Um depois do outro, seus erros e fraquezas tornam-se manifestos e são aparentemente ampliados. Esse processo inevitavelmente aumenta as dificuldades da vida pessoal do discípulo e, algumas vezes, levam-no quase ao desespero. Falhas e erros, fraquezas e mesmo vícios dos quais ele se acreditava incapaz mostram-se nele, causando-lhe considerável autodepreciação e dor. Porém, ele não deve desesperar, pois sua vida interior torna-se cada vez mais rica e bela. Seu poder Egóico¹ aumenta regularmente sob a influência de seu Mestre, e com sua ajuda ele é capacitado a superar tudo. Suas fraquezas, tanto as ativas como as latentes, devem se tornar absolutamente claras para que ele as conheça e para que possa eliminá-las de sua natureza.

A ignorância de fraquezas e limitações é uma das grandes barreiras para o desenvolvimento oculto e espiritual. O discípulo deve se conhecer inteiramente, ser modesto e humilde a respeito de suas capacidades e ter os olhos abertos no que tange suas limitações. O discípulo deve ser sábio a seu respeito. Deve depender de si mesmo, não procurando ajuda externa, na verdade, deve tornar-se seu próprio guru. 

O Mestre deve ser considerado como presidindo com interesse cuidadoso e afetuoso o processo alquímico de transmutação de tudo o que for grosseiro no discípulo, no ouro genuíno da pureza e espiritualidade. O Mestre guia o discípulo tanto quanto possível por meio de sua intuição, que dessa forma é desenvolvida, mas a própria vida é seu verdadeiro professor. O discípulo deve aprender a interpretar suas experiências de vida, para aprender com elas e assim tornar-se sábio. Se ele conseguir entender isso, cada experiência, pequena ou grande, pode ajudar no desenvolvimento da sabedoria. Tarefas importantes, contatos com pessoas influentes, podem se tornar extremamente iluminadoras. Tarefas e encontros menores do dia a dia, relacionamentos humanos comuns, podem ser igualmente instrutivos. Portanto, o discípulo deveria estudar a vida, observar atentamente a vida, observar suas próprias reações e respostas a cada incidente, pequeno ou grande, pois dessa forma ele pode aprender e crescer.

Em especial, o discípulo deve prestar atenção ás pequenas coisas, sua aparência pessoal, conduta, seu comportamento com os outros e, quando sozinho, a abertura de uma porta, entrar numa casa ou num quarto, suas maneiras, a forma de falar, contato com animais, empregados, com os atendentes nas lojas, crianças, amigos, tudo isso deve trazer a marca do discipulado; isto é, da impessoalidade, autocontrole, requinte, pureza, dignidade e espiritualidade, pois essas coisas devem ser as qualidades do caráter de um discípulo."

¹ Poder da natureza divina tríplice do homem.

(Luz do Santuário, O Diário Oculto de Geoffrey Hodson. Compilado por Sandra Hodson e Traduzido por Raul Branco - p. 49/50)
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terça-feira, 23 de agosto de 2022

ESTABELECE E MANTÉM PERMANENTE SERENIDADE - SABEDORIA DOS SÉCULOS (PARTE FINAL)


                       "SABEDORIA DOS  SÉCULOS

1- Em Deus tudo está, de Deus tudo vem, para 
Deus tudo vai.

2- Onde quer que eu esteja, lá Deus está - e que mal me poderia acontecer lá onde Deus está?

3- No meu intimo SER eu sou o que Deus é – por isto, no meu externo AGIR, quero também agir assim como Deus age.

4- Envolve-me, penetra-me todo a luz branca do Cristo - nenhum mal me pode tocar, todo o bem me deve caber.

5- Todas as coisas, mesmo as mais pequeninas, são grandes, quando feitas com grandeza de alma.

6- Livra-me, Senhor, da soberba mesquinhez de querer ser servido ensina-me a humilde grandeza de querer servir!

7- Nenhum mal que outros me fazem me faz mal, porque não me faz mau - somente o mal que eu faço aos outros me faz mal, por que me faz mau.

8- Nunca farei depender a minha felicidade de algo que não dependa de mim.

9- Sou cidadão do universo: aqui na terra sou apenas imigrante temporário - por isto, quero cumprir com a máxima perfeição e alegria o meu estágio telúrico,

10- Deus, tu que és Luz, Vida e Amor - manda me através de todos os teus mundos como um raio da tua Luz, como um sopro da tua Vida, como um brado do teu Amor!

11- Não sou melhor porque me louvam, nem sou pior porque me censuram - sou, na verdade, o que sou a teus olhos, Senhor, e à luz da minha consciência.

12- Ensina-me, Senhor, a sintonizar diariamente a antena de minha alma por tuas ondas, a fim de apanhar no meu receptáculo finito as vibrações da tua vida infinita!

13- Guia-me. Luz divina, por teus caminhos, para que nenhuma ingratidão me faça ingrato nenhuma amargura me faça amargo, nenhuma maldade me faça mau - que eu queira antes sofrer todas as injustiças do que cometer uma só.

14- Atende, Senhor, a minha prece - para que o meu pequeno querer humano seja inteiramente sintonizado com o teu grande querer divino!

15- Não maldirei as trevas do ódio que me cercam - acenderei no meu interior a luz do amor.

16- Eu afirmo a soberania da minha substância divina sobre todas as tiranias das circunstâncias humanas."

(Huberto Rohden - O Caminho da Felicidade - Alvorada Editora e Livraria Ltda., São Paulo, 7ª edição - p. 119/121)
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terça-feira, 28 de junho de 2022

MANTENDO O CORAÇÃO ABERTO

"Não espere resultados imediatos ou milagres. Pode ser que só consiga aliviar o seu sofrimento depois de algum tempo, ou mesmo muito depois, quando você menos esperar. Não tenha qualquer expectativa de que isso vá 'funcionar' ou que acabe com seu sofrimento de uma vez por todas. Esteja tão aberto para a sua dor quanto está na sua prática, para os seres iluminados e para os budas.

Você pode até vir a se sentir misteriosamente grato ao seu sofrimento, porque ele lhe dá uma oportunidade de trabalhar com você mesmo e de transformar-se. Sem ele você nunca teria tido a possibilidade de descobrir que há, escondido na natureza e na profundidade do sofrimento, um tesouro de felicidade. Os períodos de sofrimento na sua vida podem ser aqueles em que está mais aberto; o ponto em que é mais vulnerável pode ser realmente o de sua maior força. 

Assim, diga para si mesmo: 'Não vou fugir desse sofrimento. Quero usá-lo da melhor e mais enriquecedora maneira que puder, de modo a poder tornar-me mais compassivo e mais útil aos outros'. O sofrimento, além de tudo, pode ensinar-me sobre a compaixão. Se você sofre, saberá como é quando outros sofrem. E se está na posição de poder ajudar os outros, é através de seu sofrimento que encontrará a compreensão e a compaixão necessárias para isso. 

Portanto, não importa o que faça, não recuse sua dor; aceite-a e permaneça vulnerável. Por mais desesperado que se sinta, aceite sua dor como ela é, porque de fato ela lhe está oferecendo um presente que não tem preço: a oportunidade de descobrir, através da prática espiritual, o que está além do sofrimento. 'A dor', escreveu Rumi, 'pode ser o jardim de compaixão'. Se voce mantém seu coração aberto para tudo, a dor pode tornar-se a sua maior aliada na busca do amor e da sabedoria. 

E já não estamos cansados de saber que proteger-se da dor não funciona? Que quando tentamos nos defender do sofrimento só sofremos mais e não aprendemos o que poderíamos com a experiência? Como Rilke escreveu, o coração protegido que 'nunca se expôs à perda, inocente e seguro, não pode conhecer a ternura. Somente um coração perdido e resgatado pode ceder ao contentamento: livre, por tudo que deixou para trás, para se alegrar em sua maestria'."

(Sogyal Rinpoche - O Livro Tibetano do Viver e do Morrer - Ed. Talento/Ed. Palas Athena, 1999 - p. 396/397
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quinta-feira, 23 de junho de 2022

AFORISMOS SAGRADOS (PARTE FINAL)

"4. Evitar todo o mal, procurar o bem, conservar a mente 
pura: eis a essência do ensinamento de Buda.

A tolerância é a mais difícil das disciplinas, mas a vitória final é para aquele que tudo tolera.

Deve-se remover o rancor quando se está sentindo rancoroso; deve-se afastar a tristeza enquanto se está no meio da tristeza. Deve-se remover a cobiça enquanto se está nela infiltrado. Para se viver uma vida pura e altruística, não se deve considerar nada como seu, no meio da abundância.

Ser de boa saúde é um grande privilégio. Estar contente com o que se tem vale mais do que a posse de uma grande riqueza. Ser considerado como de confiança é a maior demonstração de afeto. Alcançar a Iluminação é a maior felicidade.

Estaremos libertos do medo quando alimentarmos o sentimento de desprezo pelo mal, quando nos sentirmos tranquilos, quando sentirmos prazer em ouvir bons ensinamentos e quando, tendo estes sentimentos, nós os apreciarmos.

Não se apeguem às coisas de que gostam nem tenham aversão às coisas de que desgostam, pois a tristeza, o medo e a servidão surgem do gostar ou desgostar.

5. A ferrugem corrói o ferro e o destrói, assim como o mal corrói a mente de um homem, destruindo-o.

Uma escritura que não é lida com sinceridade, logo estará coberta de poeira; uma casa que não é reformada, quando necessita de reparos, torna-se imunda e assim, um homem indolente logo se torna corrupto.

Os atos impuros corrompem uma mulher pois a mesquinhez macula a caridade. Os maus atos poluem não só esta vida, mas também as vidas seguintes.

Mas a mácula que deve ser temida é a mácula da ignorância. Um homem não pode esperar purificar o corpo ou a mente, sem que antes seja removida a ignorância.

É muito fácil mergulhar na imprudência, ser atrevido e impertinente como um corvo, magoar os outros sem sentir nenhum remorso pela ação cometida.

Contudo, é muito difícil sentir-se humilde, saber respeitar e honrar, livrar-se de todos os apegos, manter o pensamento puro e tornar-se sábio.

É fácil apontar os erros alheio, mas é difícil admitir os próprios erros. Um homem divulga os erros dos outros sem pensar, entretanto, oculta os seus próprios erros, como um jogador esconde falsos dados.

O céu não guarda vestígio do pássaro, da fumaça ou da tempestade, tal como um mau ensinamento não conduz à Iluminação. Nada neste mundo é estável, mas a mente iluminada é imperturbável.

6. Assim como um cavaleiro guarda o portão de seu castelo, devemos proteger a mente dos perigos externos e internos e não se deve negligenciá-la nem por um momento sequer.

Cada um é o senhor de si mesmo, deve depender de si próprio, devendo, portanto, controlar-se a si próprio.

O primeiro passo para se livrar dos vínculos e grilhões dos desejos mundanos é controlar a própria mente, é cessar as conversas vazias e meditar.

O sol faz brilhante o dia, a lua embeleza a noite, a disciplina aumenta a dignidade de um soldado e a tranquila meditação distingue aquele que busca a Iluminação.

Aquele que é incapaz de vigiar seus cinco sentidos – olhos, ouvidos, nariz, língua e o corpo – e fica tentado por seu ambiente, não é aquele que se prepara para a Iluminação. Aquele que vigia firmemente as portas de seus cinco sentidos e conserva a mente sob controle, este sim, é aquele que pode alcançar êxito na busca da Iluminação.

7. Aquele que se influência pelo gostar e desgostar não pode compreender corretamente o seu ambiente e tende a ser por ele vencido. Aquele que está livre de todo o apego compreende corretamente o seu ambiente e, para ele, tudo se torna novidade e significativo.

A felicidade segue a tristeza, a tristeza segue a felicidade, mas quando alguém não mais discrimina a felicidade da tristeza, a boa ação da má ação, então poderá compreender o que é a liberdade.

O aborrecer-se com antecipação ou alimentar tristezas pelo passado apenas consomem a pessoa, são como o junco que fenece ao ser cortado.

O segredo da saúde da mente e do corpo está em não lamentar o passado, em não se afligir com o futuro e em não antecipar preocupações, mas está no viver sábia e seriamente o presente momento.

Não viva no passado, não sonhe com o futuro, concentre a mente no momento presente.

Vale a pena cumprir bem e sem erros o dever diário. Não procure evitá-lo ou adia-lo para amanhã. Fazendo logo o que hoje deve ser feito, poderá viver um bom dia.

A sabedoria é o melhor guia e a fé, a melhor companheira. Deve-se, pois, fugir das trevas da ignorância e do sofrimento, deve-se procurar a luz da Iluminação.

Se um homem tiver o corpo e a mente sob controle, ele dará evidências disso com suas boas ações. Este é um sagrado dever. A fé será a sua riqueza, a sinceridade dará um doce sabor à sua vida e acumular virtudes será a sua sagrada tarefa.

Na jornada da vida, a fé é o alimento, as ações virtuosas são o abrigo, a sabedoria é a luz do dia e a correta atenção é a proteção da noite. Se um homem tiver uma vida pura, nada poderá destruí-lo e, se tiver dominado a cobiça, nada poderá limitar sua liberdade.

Deve-se esquecer de si próprio pela família; deve-se esquecer da família por sua aldeia; deve-se esquecer da própria aldeia pela nação; e deve-se esquecer de tudo em prol da Iluminação.

Tudo é mutável, tudo aparece e desaparece. Só poderá haver a bem-aventurada paz quando se puder escapar da agonia da vida e da morte."

(A Doutrina de Buda -  Bukkyo Dendo Kyokai (Fundação para propagação do Budismo), 3ª edição revista, 1982 - p. 186/191)
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terça-feira, 5 de abril de 2022

O FIM DA ILUSÃO

"Haverá um caminho para pôr fim às distorções? Uma verdade distorcida é uma falsidade. Estamos completamente enredados em nosso passado ou será possível nos libertarmos dele, o mínimo que seja? Se não fosse possível, seríamos como computadores programados, entidades mecânicas, sem possibilidade de mudança. Mas obviamente os seres humanos mudam, não apenas externamente, com a idade, mas também internamente, porque algumas ilusões ficaram pelo caminho.

Como termina a ilusão? Eu posso, por exemplo, vir de uma família onde os filhos são castigados fisicamente, e crescer com a ideia de que isso é certo. Há muitas ilusões desse tipo, em vários níveis; nós as consideramos verdadeiras e agimos baseados nisso. Existem superstições; é possível nos livrarmos delas com investigação intelectual. Há as ilusões psicológicas - mágoas, inimizades, lisonjas, preconceitos resultantes da dor. Finalmente, há a ilusão de que somos indivíduos separados, como assinalaram tantos sábios. Suas palavras podem não soar verdadeiras para nós, mas é preciso lembrar quantas ilusões consideramos verdadeiras. Algo que achamos tremendamente importante pode não ser. Quando a mente, com todas as ilusões, interpreta as experiências e os fenômenos que observa, o que então assegura que ela veja a verdade e não um preconceito? Como ocorre o crescimento da sabedoria?

Toda vez que a consciência humana tem um insight, por menor que seja, uma parte de suas ilusões desaparece e há uma verdadeira transformação da consciência. Isso pode não ser iluminação, mas é uma real mudança no modo como a consciência responde a fenômenos externos. Se a pessoa, por exemplo, concluiu por si mesmo que comparar-se a outra é uma doença da mente que leva a todo tipo de complicações, já que dá origem ao ciúme, à inveja, sentimentos de superioridade ou inferioridade, à culpa, rivalidade e competição; se ela vê a verdade disso, não de maneira lógica ou intelectual, mas efetivamente, através de sua própria percepção, a comparação cessa. Então ocorre uma verdadeira transformação. Se a pessoa deixa de se comparar ao vizinho que tem um carro novo, então pode continuar feliz andando de bicicleta. Ela se liberta de uma ilusão e do correspondente desperdício de energia. Todos nós temos essa possibilidade de insight profundo, quando a percepção da verdade age sobre a consciência. 

Para compreender o significado do caminho, deve-se entender como essa aprendizagem ocorre - não apenas a aprendizagem na escola ou através da leitura, que é aumento de conhecimento, mas a aprendizagem que é o discernimento entre o verdadeiro e o falso. Com a percepção da verdade, o falso desaparece sem esforço. Aprendizado, nesse sentido, é a mente religiosa. Se eu não tiver a capacidade de aprender, o caminho oferecerá apenas experiências - de meditação, de yoga, de adoração em um templo, de realizar um ritual. A experiência, por si mesma, não ensina. Se ensinasse, todas as pessoas idosas seriam sábias, mas os idosos podem ser extremamente preconceituosos.

Um dos fatores que bloqueiam o insight ou causam distorção na percepção é o que chamamos de ego. Precisamos entender como ele surge e opera. O ego não está no mundo físico. Também não existe na natureza. As árvores não têm ego: as tempestades sopram, os ciclones chegam, mas não têm motivação para destruir. O ego só é encontrado na consciência humana. Isso significa que criamos com ele o que obtivemos através da evolução, ou seja, a capacidade de pensar, lembrar e imaginar. É preciso descobrir se aprendi a usar essa capacidade corretamente ou se estou bloqueando o meu próprio aprendizado. O 'eu' pode ser o maior bloqueio à percepção da verdade.  

 O ego não é algo distante; todos nós o conhecemos e percebemos. Quando dizemos às crianças que é importante jogar um jogo sem dar tanta importância a ganhar ou perder, estamos pedindo que não joguem de maneira egoísta. O Bhagavad Gita fala sobre agir sem preocupação com recompensa ou resultado. Nossa preocupação deve ser com a própria ação. Se isso é possível num jogo, porque não na vida diária?"

(P. Krishna - Um caminho para a verdade - Revista Sophia, Ano 15, nº 65 - p. 22/23)
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quinta-feira, 31 de março de 2022

UM CAMINHO PARA A VERDADE

"Existe um caminho para a verdade? Esta foi uma pergunta feita por Krishnamurti, em 1929. Ao explorar novamente a questão, sem concordar ou discordar com nenhuma das conclusões precedentes, acredito que nós crescemos em compreensão e sabedoria. Assim, vemos investigar o assunto a partir das causas primárias, sem assumir conhecimento prévio, e começando pela observação.

Primeiramente devemos perguntar o que é verdade. No sentido comumente aceito, é uma descrição acertada de algo que verdadeiramente aconteceu, ou que é um fato. Usamos a palavra verdade com sentido diferente quando ela descreve uma lei da natureza ou um relacionamento de causa e efeito. Por exemplo, a lei de gravidade é verificável; ela se confirma como uma relação de causa e efeito em todo tipo de fenômeno à nossa volta. Os estudiosos afirmam a verdade ou falsidade de algo aplicando-lhe lógica e raciocínio; quando deduzem algo absurdo, dizem que a premissa não é verdadeira. Portanto, existe essa maneira de analisar uma afirmação e de chegar a uma conclusão sobre sua veracidade. 

A verdade tem um significado totalmente diferente da busca religiosa. Ela está no nível da percepção, não no da ideação. Por exemplo, ao estudar sobre o que Buda disse, e sobre o que vários indivíduos disseram que Buda disse, a pessoa se torna erudita ou professora de filosofia budista; mas o professor não é Buda. A diferença não está nas palestras dadas. O professor pode até explicar certas circunstâncias melhor do que Buda, mas sua consciência não é a consciência de buda. A não ser que haja uma transformação da consciência, não haverá sabedoria, apenas o conhecimento; o conhecimento pode transformar ideias, mas não transformar a consciência. 

No campo científico é diferente; pode-se, por exemplo, utilizar uma fórmula matemática sem ter uma percepção profunda de espaço, tempo, matéria e energia. O cientista que descobriu a lei pode ter tido um grande insight, mas os outros não precisam tê-lo para usar a fórmula; ela funciona. Na busca religiosa, porém, ideias e conhecimentos são apenas cinzas, porque a pessoa vive com temores, conflitos, desejos, problemas com o ego. Ela não é sábia. A busca religiosa é uma busca por sabedoria, e isso é diferente de adquirir conhecimento. Portanto, devemos perguntar: existe um caminho para a sabedoria, para a percepção profunda da  verdade por nós mesmos, a que Krishnamurti referiu-se como insight

Há um caminho analítico para o conhecimento e outros caminhos que no campo do conhecimento e da análise; nossa vida diária está no campo do pensamento, planejamento, imaginação e esforço. Mas existe um outro plano de existência, o plano da atenção, sabedoria, visão e percepção, A verdade está nesse plano - no nível da percepção, não da ideação. Há um estranho relacionamento entre esse plano de percepção e insight e o campo de nossas atividades, esforços e realizações diárias. 

Sendo assim, como ocorre a percepção, se não há caminho até ela? Na Escola Krishnamurti de Brockwood Park, na Inglaterra, conta-se uma piada. Um estudante pergunta a outro: 'Se a verdade é uma terra sem caminho, como se chega lá?' E o outro menino responde: 'Perdendo-se!' Há verdade nessa afirmação, pois o modo como a mente chega a uma percepção totalmente nova é um mistério. Sem uma percepção assim não há real transformação da consciência, nem mudança real e fundamental no nível do pensamento, da realização e do ego no dia a dia. Compreensão e transformação fundamentais têm origem em outro plano.

Se eu tenho uma percepção profunda e isso traz a realização de uma verdade - não o mero conhecimento dessa verdade -, ela se torna real para mim. Esse salto do conhecimento para a realização da verdade é o que chamamos de insight. O que bloqueia o insight? A verdade existe o tempo todo. Por que não sou capaz de percebê-la? A mente parece ver todos os fenômenos através de um véu, uma tela de ilusões, conclusões, afirmações, opiniões, etc., que chamamos de condicionamento. Cada um de nós está condicionado pela família, cultura e tudo o que nos faz ser o que somos. O condicionamento é mantido na memória, e a pessoa não consegue apagá-lo voluntariamente."

(P. Krishna - Um caminho para a verdade - Revista Sophia, Ano 15, nº 65 - p. 21/22)
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terça-feira, 29 de março de 2022

FONTE DE SABEDORIA

"Uma das formas duradouras do interesse próprio é a presunção, que pode se manifestar de maneiras grosseiras ou muito sutis. O trecho seguinte é uma advertência de
A Voz do Silêncio referente a este outro inimigo daqueles que buscam trilhar a senda do autoconhecimento: 'Evita o aplauso ó devoto. O aplauso conduz à autoilusão. Teu corpo não é o Ser, teu Ser é, em si mesmo, sem corpo, e o elogio ou a censura não o afeta. O Autoconvencimento, ó discípulo, é como uma torre altíssima à qual subiu um arrogante tolo. Ali ele se senta em orgulhosa solidão, despercebido de todos salvo de si mesmo.'

Quando se é imaturo, qualquer comentário trivial feito por alguém a respeito de nossa aparência física, por exemplo, pode gerar fortes reações emocionais. O mesmo se aplica às tarefas que fazemos. Se há crítica ou falta de apreciação, podemos nos sentir magoados. Mas é importante compreender que nutrir a presunção contribui para nosso senso de separação de outros, e em muitos casos pode levar a um senso mais profundo de isolamento, frequentemente nutrindo sentimentos de má-vontade e de ira para com os outros e o restante do mundo. Talvez muitos atos terroristas tenham surgido de uma mentalidade assim. 

Mas apesar de todos esses perigos não precisamos nos desesperar, pois certamente o caminho está dentro de nós, como mostram os trechos seguintes de A Voz do Silêncio: 'O caminho para a liberdade final está dentro do Ser. O caminho começa e termina fora do Ser.'

O autoconhecimento foi definido por um dos instrutores da tradição Advaita Vedanta como 'a mais longa viagem ao lugar mais próximo'. Em outra tradição é chamado de a busca pelo Santo Graal, cuja descoberta, após muitas provações, tribulações e fracassos, leva tanto à completa transformação interior da mente humana quanto à restauração da 'terra devoluta', que é o mundo. 

O puro ser, o Atman interior, é a fonte de toda cura, de toda sabedoria, de toda felicidade, e contudo tendemos a buscar essas coisas fora, através da atuação do eu pessoal. É inevitável que no processo experimentemos muitas perdas, tanto físicas quanto psicológicas. Certa vez pediram a Sri Ramana Maharshi sua opinião sobre a doutrina teológica das almas perdidas. Sua resposta foi: 'Haverá algo a perder? O Ser jamais pode ser perdido.' Mas a jornada em direção a ele, que é basicamente um modo de vida, envolve abandonar tudo o que não é o Ser, naturalmente, sem qualquer senso de automortificação ou autocastigo, que podem muito bem ser, novamente, sutis formas de presunção. 

Eventualmente, segundo a tradição-sabedoria, após uma longa e necessária purificação, subitamente surge a realização do solo divino no qual 'vivemos, nos movemos e temos nossos ser', que é liberdade total do egoísmo e de sua teia de ilusões. As belas palavras do Viveka Chudamani reafirmam a essencial não separatividade de toda a existência como nossa verdadeira e eterna identidade, o Ser que nada quer: 'Como onda, espuma, redemoinho e bolha - tudo é essencialmente apenas água; assim tudo, começando com o corpo e terminando com o egoísmo, é apenas consciência, que é pura e absoluta felicidade.'"

(Pedro Oliveira - O ser nada quer - Revista Sophia, Ano 15, nº 65 - p. 19)
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quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

TOLERÂNCIA E PACIÊNCIA

"As diferenças não devem fazer com que recuemos. Elas não devem nos impedir de exercer nossa compaixão com força e motivação cada vez maior. Quando Buda nos deu os ensinamentos pela primeira vez, quantas pessoas os compreenderam? Nenhuma. Por causa disso, ele se recusou a dar os ensinamentos por um período de sete semanas, mas depois começou a ensinar novamente.

Se Buda tivesse se recusado a ensinar porque ninguém lhe dava ouvidos, não teríamos a religião budista hoje. Da mesma forma, se eu insisto que minhas palavras e minha compaixão têm que ser aceitas por todos, essa seria uma sabedoria decadente; seria sabedoria para mim e para mais ninguém. A verdadeira sabedoria é abrir mão daquilo que eu acho ser correto para ver com maior clareza o que é verdadeiramente útil. Sabedoria é a abertura que nos permite ver o que é essencial e mais eficaz, o que verdadeiramente precisa ser praticado por toda a humanidade. Isso é muito necessário. Isso é algo que precisamos praticar.

A sabedoria exige que trabalhemos de acordo com a bondade que todos temos. Quando nos defrontamos com obstáculos ou dificuldades, podemos usá-los para desenvolver mais inspiração, pois se verdadeiramente estimamos a gentileza e o cuidado, essa crença nos dará a coragem para superar todos os obstáculos. Sabedoria é ser capaz de usar os obstáculos dessa maneira. Caso contrário, a sabedoria se torna uma peça de museu e terminamos colecionando filosofias, lógica se ensinamentos exatamente como as pessoas colecionam selos.

A sabedoria de todas as tradições do mundo precisa ser nutrida e cuidada, não colecionada. Nossa sabedoria inata precisa ser desenvolvida, compreendida e aguçada. Cada pessoa deve desenvolver o destemor para que a sabedoria possa extirpar sua ignorância. A melhor sabedoria é aquela que você tem a coragem de aplicar a si próprio. Somente então você pode realmente compreender os seres humanos como eles são. Depois você pode dar a si próprio e aos outros a oportunidade de crescer individualmente, pensar como eles querem. Todos nós precisamos de espaço para nos desenvolver. 

Podemos aprender juntos até um determinado ponto, mas a transformação do mundo deve começar dentro de nós. Compaixão e sabedoria precisam trabalhar juntas, combinadas com habilidade, tolerância e paciência. Se nos dermos tempo e espaço para verdadeiramente observar nossos próprios pensamentos e ações, o bem surgirá. Devemos dar a nós e aos outros espaço onde possamos funcionar de maneira apropriada, e passar a agir de maneira altruísta. 

É muito fácil dizer essas coisas. A prática começa definitivamente com nós mesmos. Quando olhamos para um espelho, geralmente sabemos o que queremos ver, e assim vemos somente o que queremos. Ver o que realmente está no espelho, bom ou ruim, e trabalhar com o que vemos, é muito importante e necessário. É preciso alguma coragem. 

Pensemos cuidadosamente, porque os tempos mudam. O tempo não espera por ninguém, mas há oportunidades em cada momento. A frivolidade fere somente a nós próprios. Porém, se em nossas curtas vidas formos capazes de ser úteis a alguém mais, então termos agido como um ser iluminado."

(Khandro Rinpoche - Compaixão para uma vida melhor - Revista Sophia, Ano 15, nª 70 - p. 12/13)
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terça-feira, 18 de janeiro de 2022

ALTRUÍSMO LIVRE DE APEGO

"Porém, até que esse nível de percepção seja atingido, cada momento de sua vida surge da dependência de outro. Você usa roupas e se senta em cadeiras feitas por outras pessoas. Come alimentos cultivados e cozidos por outras pessoas. Por mais que queira acreditar que alcançou realizações com seus próprios esforços, você está unido a todos os outros seres. 

Essa percepção de nossa interdependência leva diretamente a um senso de responsabilidade e à necessidade de abrir mão do desejo de aquisição. Até que tenhamos atingidos o verdadeiro altruísmo, livre da ignorância, podemos começar devolvendo aquilo que recebemos para beneficiar os outros da melhor maneira possível.

Podemos chamar isso de compaixão, amor, cuidado. O significado é o mesmo: em suas ações, palavras e pensamentos, você considera os outros antes de você mesmo. Alguns de nós praticamos a meditação para alcançar essa compreensão; outros são capazes de entender isso por si sós. Mas não importa falar a respeito da compaixão - o importante é praticá-la.

Você precisa de sabedoria para se olhar internamente e ver que tipo de pessoa você é. Compaixão significa abrir mão da autoidentidade, parar de tentar provar sua identidade o tempo todo. Significa que você trabalha da maneira como o vento trabalha, como o sol trabalha, como o ar trabalha. O ar assume a forma de um aposento. Ele não diz 'vou lhe dar este espaço para respirar, desde que você respire da maneira que eu quero'. o mesmo se dá com o sol; ele não para de brilhar quando há nuvens no céu.

Dessa maneira, o altruísmo livre do apego - a compaixão usada com sabedoria - significa ir além do modo como você quer fazer as coisas. Se você consegue abrir mão de se tornar a pessoa mais importante do mundo, haverá mais capacidade e mais espaço dentro de você para trabalhar com os outros. Você descobrirá mais espaço, tempo e energia dentro de si. Imagine, por exemplo, que você consiga trabalhar como voluntário num hospital, mas descubra que há restrições e que você não pode fazer as coisas da maneira como quer. Você luta contra o sistema, fica exausto e conclui que sua compaixão não está sendo usada da melhor maneira. Mas o que precisa ser compreendido, ao aplicar a sabedoria à sua compaixão, é o quanto de solidez você está trazendo para a situação. Ao insistir em como as coisas deveriam ser, você cria uma frustração que prejudica a criatividade que poderia aplicar à situação.

Quando queremos gerar compaixão, terminamos trabalhando com nossas próprias emoções. Descobrimos que uma situação nos oprime na mesma medida em que nós a solidificamos. Portanto, sem sabedoria, a compaixão não atuará. A sabedoria é o que nos permite ser imparciais em nossas ações. Com sabedoria, não estamos limitados a uma causa ou propósito; fazemos o melhor que podemos numa determinada situação e seguimos em frente. 

Sem sabedoria, frequentemente focamos um único problema ou questão que pensamos ser mais importante. Mas vivemos num mundo que é habitado por seres humanos, e enquanto houver bilhões de humanos não haverá uma única coisa que todos aceitem. Muitas coisas não são feitas da maneira como você gostaria. 

Diferentes filosofias surgiram da compaixão - Cristianismo, Budismo, Islamismo, Hinduísmo. Mas eu acredito que esta é a correta, você acredita que aquela é correta, e uma terceira pessoa acredita em outra. Mesmo um conceito tão universal quanto a compaixão, os budistas chamam de bodhicitta, os hindus chamam de karuna, os cristãos chamam de amor. Nós nos aferramos a nossos próprios termos."

(Khandro Rinpoche - Compaixão para uma vida melhor - Revista Sophia, Ano 15, nª 70 - p. 10)
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quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

COMPAIXÃO PARA UMA VIDA MELHOR

"Nós fazemos o melhor possível para viver num mundo baseado em gentileza e compaixão. No entanto, às vezes, o que eu pessoalmente gostaria torna-se mais importante do que aquilo que é bom para a comunidade.

Na religião, na filosofia, na ciência ou na política, onde quer que haja uma sociedade humana, ela manifesta sabedoria e compaixão. Porém, devido à nossa tendência ao egoísmo, a valorizar nossos gostos e aversões, nós nos isolamos dos outros. Não permitimos que a abertura entre seres humanos se expresse por causa de duas coisas fundamentais: esperança e medo. Todos nós queremos a felicidade e ninguém deseja sofrer. Assim, cada ação é motivada pela esperança de ser feliz e de evitar a dor; desenvolvemos uma atitude muito egoísta. 

Todas as filosofias e religiões do mundo almejam pôr abaixo a muralha do autoisolamento, para que possamos trabalhar uns com os outros com verdadeiro cuidado e compaixão. Do ponto de vista budista, examinamos a nós mesmos cuidadosamente - não para nos culpar por criar divisão, mas como um modo de trabalhar a principal causa do problema. 

O problema não está no mundo, ou nos outros, mas em nós. A sabedoria é inata em nós, mas nosso envolvimento com o ambiente e a distração de nossas emoções causa um obscurecimento que impede a auto-observação. Não nos damos tempo e espaço suficientes para usar nossa sabedoria e nos observamos antes de agir. 

No entanto, por meio da meditação ou da autoanálise, a sabedoria pode surgir no nosso interior. Meditação é um processo de olhar para dentro, de refrear a tendência dualista de prestar mais atenção às questões externas do que às internas, com as quais não queremos lidar.

Uma sociedade baseada na paz, na harmonia, na sabedoria e na compaixão não vai surgir a não ser que cada pessoa comece consigo mesma. Com nosso fracasso em usar a sabedoria inata, damos desculpas para não começar com nós mesmos. A maior desculpa é que precisamos que a outra pessoa mude primeiro. Se as coisas não acontecem de maneira como eu quero, a culpa é do outro. 

As percepções do mundo externo têm muito a ver com nossa atitude interior. A mente cria desculpas que refletem o que sentimos. Quando vemos uma pessoa e ela faz algo de que gostamos, então ela é uma boa pessoa. Mas se a mesma pessoa faz algo de que não gostamos, ela é uma pessoa ruim. Portanto, a transformação do mundo externo deve começar com a transformação interior. Somente quando o eu é subjugado, e quando uma boa percepção surge, é que temos força para nos relacionar da maneira apropriada com os outros.

O coração é basicamente bom, generoso e compassivo, mas não necessariamente atua com sabedoria. Temos muitas pessoas prontas para agir em prol de um mundo melhor, mas que ainda veem a filosofia, a religião e a política segundo o que elas gostam e querem. 

A realização da sabedoria interior em cada ser humano deve começar com o treinamento do eu. A ignorância não é algo que vem dos outros; ela vem da projeção do eu. Na filosofia budista falamos muito a respeito de ilusão - como a mente cria fenômenos externos que passamos a ver como sólidos e permanentes. Na meditação nós avaliamos a natureza onírica dos fenômenos externos. O primeiro passo é entender como surge a ilusão - como a mente atua para criar e solidificar o mundo. Se pudermos abrir mão de apego à ilusão, estaremos livres da dor, das expectativas, das esperanças e dos medos."

(Khandro Rinpoche - Compaixão para uma vida melhor - Revista Sophia, Ano 15, nª 70 - p. 9)
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quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

O MISTÉRIO DO LIMIAR - 1

"Não há dúvida de que, ao ingressar em uma nova fase da vida, algo deva ser abandonado. A criança quando se torna um adulto deixa de lado as coisas infantis. São Paulo dá exemplo dessas palavras, como em muitas outras que ele nos deixou, de que havia provado do elixir da vida e que estava a caminho dos Portais de Ouro. A cada gota do elixir divino colocado no cálice do prazer, algo é purgado desse cálice, abrindo espaço para a gota mágica. Pois a Natureza lida generosamente com seus filhos: o cálice no ser humano está sempre cheio até a borda; e se ele decide provar a essência refinada e vivificante, deverá rejeitar algo da parte mais grosseira e menos sensível de si mesmo. Isso tem que ser feito diariamente, de hora em hora, com o tempo, a fim de que o projeto de vida possa aumentar constantemente. E para fazer isso com firmeza, o indivíduo deve ser seu próprio Mestre, deve reconhecer que está sempre carente de sabedoria, deve estar pronto para praticar quaisquer austeridades, usar contra si mesmo sem vacilação o bastão de bétula, a fim de atingir seu objetivo.  

Torna-se evidente a qualquer um que considera seriamente o assunto, que somente aquele indivíduo que tem em si as potencialidades, tanto as estoicas quanto as da sensualidade, possui alguma chance de entrar nos Portais de Ouro. Ele deve ser capaz de experimentar e apreciar a fração mais delicada daqueles prazeres que a existência tem a oferecer; e ao mesmo tempo negar a si mesmo todo prazer, sem, contudo, sofrer com a contradição. Quando ele realiza o desenvolvimento desta dupla possibilidade torna-se então capaz de afastar-se de seus prazeres e remover de sua consciência os que pertencem absolutamente ao indivíduo físico². Quando esses são removidos há outra classe de prazeres, ainda mais refinada, a ser tratada. Negociar com esses prazeres, que capacitarão um indivíduo a encontrar a essência da vida, não é o método defendido pelo filósofo estoico. O estoicismo não permite que no prazer haja alegria, e negando-se a si mesmo um, ele perde o outro. Mas o verdadeiro filósofo, que estudou a própria vida sem estar preso a qualquer sistema de pensamento, vê que o núcleo está dentro da casca e que, ao invés de esmagar completamente a noz, assim como faz um indivíduo grosseiro e indiferente, ele a obtém quebrando a casa e jogando-a fora. 

Todas as emoções e sensações aplicam-se a esse processo; caso contrário, não poderiam fazer parte do desenvolvimento do indivíduo, um elemento essencial da sua natureza. Para isso, diante de si há poder, vida, perfeição, onde cada porção de seu percurso está repleta de meios para ajudá-lo em seu objetivo; e negam esse fato somente aqueles que se recusam a reconhecer a vida como algo separado da matéria. 

Sua posição mental é tão absolutamente arbitrária que é inútil enfrentá-la ou combatê-la. Durante todo o tempo, o invisível tem oprimido o visível, o imaterial tem dominado o material; em todos os tempos, os sinais e símbolos daquilo que está além da matéria têm esperado pelos materialistas para testá-los e avaliá-los. Para aqueles que, arbitrariamente, escolhem a imobilidade, nada há a ser feito, a não ser deixá-los permanecer tranquilos, realizando aquele trabalho monótono, acreditando que nisso consiste a maior atividade da existência." ...continua. 

² No original em inglês: clay. (N.E.)

(Mabel Collins - Através dos Portais de Ouro - Ed. Teosófica, Brasília, 2019 - p. 49/52)


quinta-feira, 18 de novembro de 2021

A ENTREGA A DEUS (1ª PARTE)

"A pessoa madura é consciente de que deve assumir a responsabilidade por construir a sua vida, sem sonhar e esperar que seus problemas sejam resolvidos por uma fonte externa. No entanto, um dos pilares da vida espiritual é a entrega a Deus. Será que estamos diante de mais um paradoxo da vida oculta? Esse não é o caso. As duas proposições são verdadeiras concomitantemente, pois Deus não é uma fonte externa, mas sim o âmago de nossa natureza interior. Na verdade somos uma expressão de Cristo, somos o Filho de Deus, mas a maior parte da humanidade ainda não tem consciência desta verdade profunda e eterna. 

Nosso progresso na Senda espiritual torna-se acelerado quando fazemos uma sincera entrega a Deus ou, como alguns estudiosos preferem dizer, uma entrega à nossa natureza divina. Com isso transferimos o centro de decisões de nossa vida, do ego, com suas limitações de todos os tipos, para nossa natureza superior, com seu amor, sabedoria e total comprometimento com nossa felicidade última. Com isso estaremos desativando o atual agente controlador de nossa vida, que não busca o nosso verdadeiro interesse, e entregando o controle para nosso Pai/Mãe Celestial, cujo propósito é a nossa libertação do sofrimento e Iluminação, ou seja, o nosso 'passaporte' para que, como filhos pródigos que somos, possamos retornar par a Casa do Pai.

Quando realmente nos entregamos a Deus sentimos que não estamos mais sozinhos. Passamos a ter acesso a toda a sabedoria e poder que SERÃO NECESSÁRIOS para superarmos as dificuldades e os desafios que todo aspirante enfrenta no caminho que leva à Verdade que nos liberta. Vista sob outro ângulo, a entrega a Deus acelera nosso progresso na Senda, justamente porque o objetivo da vida espiritual é alcançar a consciência da unidade com Deus. 

Sabemos, por experiência própria, que tudo conspira contra as mudanças necessárias na vida espiritual. As tentações vivem nos fazendo tropeçar. Os apegos dificultam nosso progresso. O ego usa de mil artimanhas para garantir a manutenção do status-quo, sendo uma das mais importantes, no mundo cristão, a crença errônea de que somos 'vis pecadores'. Essas dificuldades afetam buscadores novatos e avançados indistintamente, como indica a famosa passagem do Apóstolo Paulo:

'Eu sei que o bem não mora em mim, isto é, na minha carne. Pois o querer o bem está ao meu alcance; não, porém, o praticá-lo. Com efeito, não faço o bem que eu quero, mas pratico o mal que não quero. Ora, se eu faço o que não quero, já não sou eu que estou agindo, e sim o pecado (o ego) que habita em mim'.

Esse impasse também foi aludido por Jesus no Sermão da Montanha quando ele declarou: 'Ninguém pode servir a dois Senhores'. Temos que decidir se queremos tomar o caminho que nos levará às alturas espirituais ou permanecer nos vales sombrios deste mundo de ilusões, sofrendo sob o jugo do ego. Neste caso permaneceremos sujeitos às inesperadas virados do destino com suas amargas surpresas e desilusões. Nossas experiências são equiparadas a sonhos. Esses sonhos são de nossa criação. Como eles são a nossa percepção errônea da realidade, podemos mudá-los a qualquer momento. Temos o poder de criar o inferno e o poder de criar o céu. Por que não usar a nossa mente, nossa imaginação, nossas emoções e nossa determinação para criar o céu? Com isso passamos a perceber a paz, o amor e a alegria à nossa volta em tudo e em todos.(...)" ...continua.

(Raul Branco - A Essência da Vida Espiritual - Ed. Teosófica, Brasília, 2018 - p. 99/101)


quinta-feira, 23 de setembro de 2021

COLONIZAÇÃO ECONÔMICA

"Se alguém acumula riqueza para consumir o que é desnecessário, ele retira essa riqueza daquilo que pertence a outros; portanto, nada mais é do que um ladrão. Mas, se uma pessoa é incapaz de acumular  riqueza segundo o modo moderno, ele não pode levar uma 'vida digna'. Uma pessoa assim é classificada entre aqueles que estão abaixo da linha de pobreza, que precisam de mais assistência, mais fundo de desenvolvimento e mais oportunidades de emprego. Portanto, mais empréstimos e mais know-how são necessários, segundo os termos determinados pelo Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, a Organização Mundial de Comércio e os governos das chamadas ' nações desenvolvidas'. Assim, as nações do Terceiro Mundo estarão sempre curvadas. O sistema econômico não apenas nos priva de nossa sabedoria e discriminação; rouba-nos também nossa dignidade e autorrespeito. 

Hoje, todos os sistemas geopolíticos e socioculturais são governados por um fator único, que é a economia de mercado. Outros ideais políticos e sociais, como democracia, direitos humanos, diversidade cultural e liberdade de consciência são meras palavras, destituídas de significado, usadas de maneira ornamental e metafórica e, se necessário, como simulacro de apoio. 

O colonialismo político chegou ao fim devido ao despertar dos povos sujeitos a essa dominação durante os últimos séculos. Atualmente essa prática foi substituída pela colonização econômica, que é muito mais perigosa. A ocupação política pode ser derrubada em pouco tempo, mas serão necessárias várias décadas ou séculos para se recuperar da dominação econômica - presumindo-se que haja uma chance de reconquistar essa liberdade. 

Como as prioridades econômicas suplantaram tudo o mais, o indivíduo se tornou egoísta, violento e destituído de fundação moral e ética. O moderno estilo de vida também destruiu as inclinações espirituais da maioria das pessoas. A essência da religião tem sido ignorada; as religiões e suas instituições têm sido usadas para fortalecer a intolerância e o conflito. A maioria das pessoas pensa que espiritualidade, moralidade e ética são empecilhos ao desenvolvimento material. Muitos dizem abertamente que 'religião é veneno' em termos de progresso. Uma pequena minoria pode não concordar totalmente com isso, mas diz mansamente que não há solução senão se submeter.

Na ausência de sabedoria e coragem para se opor ao mal, a pergunta natural é: 'O que podemos fazer?' Esta é uma pergunta muito importante. Seguindo o princípio de satyagraha de Gandhi, recomendo aos indivíduos que 'pulem fora' do moderno estilo de vida materialista, com seu consumismo excessivo e imoral, e compreendam qual é a sua responsabilidade com relação ao bem-estar universal. O macrouniverso é construído de microuniversos de indivíduos; o que quer que o indivíduo faça tem relevância e produz efeitos sobre o universo. Portanto, quando um indivíduo se dissocia do mal, um microuniverso desarmonizado pode se sintonizar. Assim, o planeta em mais chances de recobrar sua harmonia com o universo."

(Samdhong Rinpoche - Uma cura para o planeta - Revista Sophia, Ano 13, nº 54 - p. 34/35)


quinta-feira, 29 de julho de 2021

AMAI OS VOSSOS INIMIGOS

"É este, sem dúvida, um dos tópicos evangélicos mais repetidos no mundo cristão - e de todos o menos praticado. E a razão última e mais profunda dessa falta de prática do amor aos inimigos nasce de uma falsa compreensão dessas palavras do Mestre. A imensa maioria dos cristãos julga tratar-se aqui de um imperativo categórico do dever compulsório, quando, de fato, se trata de um ato de querer espontâneo; não do heroísmo de uma virtude ética, e sim da evidência de uma sabedoria cósmica. Naturalmente, para que o dever compulsório da virtude possa converter-se no querer espontâneo da sabedoria, terá de acontecer algo de imensamente grande entre esse doloroso dever de ontem e esse glorioso querer de hoje. 

Que é que deve acontecer entre esses dois polos adversos?

Deve acontecer uma grande compreensão.

É sabido que tudo que é difícil não tem garantia de perpetuidade - mas tudo que é fácil tem sólida garantia de indefectível continuidade. Enquanto o 'amor aos inimigos' se nos apresentar como um dificultoso dever compulsório, uma virtude ou virtuosidade, é claro que não temos a menor garantia de que vamos amar os nossos inimigos, amanhã e depois, mesmo que talvez hoje os amemos. Só quando o dificultoso dever compulsório se transformar num jubiloso querer espontâneo, e quando a virtude passar a ser sabedoria e profunda compreensão da realidade, é que o nosso amor aos inimigos deixará de ser um fenômeno intermitente, passando a ser uma realidade permanente. 

Estas palavras de Jesus não têm, pois, em primeiro lugar, caráter ético, mas sim um sentido metafísico, visando estabelecer a solidariedade cósmica através da sabedoria da compreensão.

Exemplifiquemos.

Alguém é seu inimigo, e eu sou inimigo dele. Estamos ambos no plano negativo, nas trevas, ele, e eu.

Alguém é meu inimigo, mas eu não sou inimigo, e sim amigo dele; neste caso, ele está na zona negativa das trevas, mas eu estou na zona positiva da luz.

Ora, como a luz sempre atua positivamente, rumo à construção, e as trevas atuam negativamente, rumo à destruição, é certo que, no caso de um encontro mútuo entre a luz e as trevas, o positivo eliminará o negativo, e não vice-versa. 'A luz brilha nas trevas, mas as trevas não a prenderam' (extinguiram).

O preceito de amar nossos inimigos é, pois, ante de tudo, um postulado de caráter metafísico, único capaz de estabelecer solidariedade cósmica. Sendo eu de vibração positiva, filho da luz, posso ajudar a quem é negativo, filho das trevas. Se eu não for positivo, nada poderei fazer em benefício do meu semelhante negativo, porque ambos estamos no mesmo plano negativo, fraco, inerte. Mesmo no caso em que eu não tenha ódio real a meu inimigo, não o posso ajudar eficazmente, porque sou neutro e fraco; só no caso em que eu seja realmente positivo, pelo amor, é que posso ajudar a quem está no ódio, contrapondo uma 'violência espiritual e uma violência material', no dizer de Mahatma Gandhi.

Se odeio a quem me odeia, acrescento negativo a negativo, aumentando as trevas do mundo. Se deixo de odiar a quem me odeia, não aumento os fatores negativos, mas, também, não destruo o que já existe, deixando as trevas no statuo quo

Se amo a quem me odeia, neutralizo o negativo do meu inimigo com o meu positivo, eliminando assim as trevas e dando vitória à luz. É este o único modo eficiente de tornar o mundo melhor: substituir as trevas negativas do ódio pela luz positiva do amor.

O Sermão da Montanha, a filosofia de Bhagavad Gita, a sabedoria de Tao Te Ching, a vida de Gandhi e de todos os grandes iluminados, estão baseados nesta matemática espiritual.

'Um único homem que tenha chegado à plenitude do amor neutraliza o ódio de milhões.' (Mahatma Gandhi.)"

(Rohden - O Sermão da Montanha - Ed. Martin Claret Ltda., São Paulo, 1997 - p. 119/121)


terça-feira, 20 de julho de 2021

O SERMÃO DA MONTANHA, BASE DA HARMONIA ESPIRITUAL

"Há séculos que as igrejas cristãs do Ocidente se acham divididas em partidos, e, não raro, se digladiam ferozmente - por causa de quê?

Por causa de determinados dogmas que elas identificam com a doutrina de Jesus - infalibilidade pontifícia, batismo, confissão, eucaristia, pecado original, redenção pelo sangue de Jesus, unicidade e infalibilidade da Bíblia, etc. 

No entanto, seria possível evitar todas essas polêmicas e controvérsias - bastaria que todos os setores do Cristianismo fizessem do Sermão da Montanha o seu credo único e universal. Essa mensagem suprema do Cristo não contém uma só palavra de colorido dogmático-teológico - o Sermão da Montanha é integralmente espiritual, cósmico, ou melhor, 'místico-ético'; não uma teoria que o homem deve 'crer', mas uma realidade que ele deve 'ser'. E neste plano não há dissidentes nem hereges. A mística é o 'primeiro e maior de todos os mandamentos', o amor de Deus; a ética é o 'segundo mandamento', o amor de nossos semelhantes. E, nesta base, é possível uma harmonia universal.

Quem é proclamado 'bem-aventurado' feliz? Quem é chamado 'filho de Deus'? Quem é que 'verá a Deus? De quem é o 'reino dos céus'?

Será de algum crente no dogma 'A', 'B' ou 'C'?

Será um adepto da teologia desta ou daquela igreja ou seita?

Será o partidário de um determinado credo eclesiástico?

Nem vestígio disto!

Os homens bem-aventurados, os cidadãos do reino dos céus, são os 'pobres de espírito', são os 'puros de coração', são os 'mansos', os que 'sofrem perseguição por causa da justiça', são os 'pacificadores', são os 'misericordiosos' e 'os que choram', são os que 'amam aos que os odeiam' e 'fazem bem aos que lhes fazem mal'.

No dia e na hora em que a cristandade resolver aposentar as suas teologias humanas e proclamar a divina sabedoria do Sermão da Montanha como credo único universal, acabarão todas as dissensões, guerras de religião e excomunhões de hereges e dissidentes.

Isto, naturalmente, supõe que esse documento máximo de espiritualidade, como Mahatma Gandhi lhe chama, seja experiencialmente vivido, e não apenas intelectualmente analisado.

A vivência espiritual é convergente e harmonizadora - a análise intelectual é divergente e desarmonizadora.

Se todos os livros religiosos da humanidade perecessem e só se salvasse o Sermão da Montanha, nada estaria perdido. Nele se encontram o Oriente e o Ocidente, o Brahmanismo e o Cristianismo e a alma de todas as grandes religiões da humanidade, porque é a síntese da mística e da ética, que ultrapassa todas as filosofias e teologias meramente humanas. O que o Nazareno disse, nessa mensagem suprema do seu Evangelho, representa o patrimônio universal das religiões - seja o Kybalion de Hermes Trismegistos, do Egito, sejam os Vedas, Bhagavad-Gita ou o Tao Te Ching de Lao-Tse, do Oriente, sejam Pitágoras, Sócrates, Platão ou os Neroplatônicos, sejam São João da Cruz, Meister Eckhart Tolstoi, Tagore, Gandhi ou Schweitzer - todos convergem nesta mesma Verdade, assim como as linhas de uma pirâmide, distantes na base, se unem todas num único ponto, no vértice.

Se o Evangelho é o coração da Bíblia, o Sermão da Montanha é a alma do Evangelho."

(Rohden - O Sermão da Montanha - Ed. Martin Claret Ltda., São Paulo, 1997 - p. 17/19)


terça-feira, 8 de junho de 2021

SIMPLESMENTE PASSAR PELOS SOFRIMENTOS DOS REINOS INFERIORES NÃO CONDUZIRÁ À SALVAÇÃO

"[22] Quando as sementes do nosso carma não virtuoso amadurecem, somos arremessados a um dos três reinos inferiores de renascimento. Permaneceremos ali até que o fruto daquele carma tenha sido exaurido. Quando essa carma se esgotar, ficaremos livres do sofrimento? A resposta é não. Ainda que tenhamos exaurido o fruto de certas sementes de não virtude, nos reinos inferiores cometemos muitas outras não virtudes por causa da nossa ignorância. Um ser que nasça num dos reinos inferiores é incapaz de praticar virtude; sua vida é gasta acumulando ações não virtuosas. Todas essas ações plantam sementes em sua consciência e estas vão amadurecer como uma experiência de sofrimento futuro.  

Enquanto estivermos no samsara e levarmos uma vida condicionada pela ignorância, não poderemos  dizer que pusemos fim ao nosso sofrimento. Os seres afortunados que conquistaram a libertação do sofrimento não o fizeram deixando que seu carma negativo se esgotasse por si só ou ficando à espera de que suas desgraças cessassem; eles seguiram um caminho de meditação e extirparam a causa específica do sofrimento. Quando cumprem suas sentenças os detentos são libertados da prisão; mas, no samsara, ninguém é sentenciado por um período determinado, depois do qual será automaticamente libertado. A única maneira de escapar do samsara é reconhecer que a ignorância é a raiz do nosso sofrimento e, então, meditar sobre o caminho de sabedoria que extirpa essa raiz.

Não existe felicidade verdadeira no samsara. Podemos pensar que reis e presidentes são, de algum modo, mais felizes que o restante de nós, mas eles também experienciam muitos sofrimentos em suas vidas. Do mendigo mais miserável ao líder mundial mais poderoso, todos sofrem, seja mentalmente, por não conseguirem obter aquilo que desejam e por encontrarem aquilo que não desejam; seja fisicamente, por terem de enfrentar as dores do nascimento, doença, envelhecimento e morte. Os gritos de um recém-nascido e as lamentações de um moribundo no seu leito de morte não deixam dúvida sobre a presença constante da dor e da insatisfação. Convenhamos que o choro de um bebê ao nascer não é de felicidade!

Se quisermos exaurir nosso sofrimento, precisamos estudar qual é a causa do samsara e qual é o remédio para eliminá-lo. É só no Darma que esses assuntos são plenamente analisados. O que significa Darma? Significa 'proteger'. O que é protegido depende do escopo da nossa prática. No escopo inicial, a prática de Darma protege-nos de cair nos três reinos inferiores. No escopo intermediário,m protege-nos de renascer em qualquer reino do samsara. Por fim, no escopo mais elevado - o de um praticante mahayana - somos protegidos de todas as falhas e desvantagens do auto-apreço e levados à plena iluminação. Todas as práticas de Darma, sem exceção, estão incluídas nesses três escopos. Portanto, para pôr um fim ao nosso sofrimento, temos de praticar o Darma conscientemente."

(Geshe Kelsang Gyatso - Contemplações Significativas - Ed. Tharpa Brasil, 2009 - p. 156/157)