OBJETIVOS DO BLOGUE

Olá, bem-vindo ao blog "Chaves para a Sabedoria". A página objetiva compartilhar mensagens que venham a auxiliar o ser humano na sua caminhada espiritual. Os escritos contém informações que visam fornecer elementos para expandir o conhecimento individual, mostrando a visão de mestres e sábios, cada um com a sua verdade e experiência. Salientando que a busca pela verdade é feita mediante experiências próprias, servindo as publicações para reflexões e como norte e inspiração na busca da Bem-aventurança. O blog será atualizado com postagens de textos extraídos de obras sobre o tema proposto. Não defendemos nenhuma religião em especial, mas, sim, a religiosidade e a evolução do homem pela espiritualidade. A página é de todos, naveguem a vontade. Paz, luz, amor e sabedoria.

Osmar Lima de Amorim


quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

A FUNÇÃO DO RELACIONAMENTO

"O relacionamento é inevitavelmente doloroso, o que é mostrado na nossa existência cotidiana. Se no relacionamento não houver tensão, ele deixa de ser um relacionamento e se torna apenas um confortável estado de latência, um entorpecente - o que a maioria das pessoas quer e prefere. O conflito se dá entre esse desejo de conforto e o factual, entre a ilusão e a realidade. Se você reconhece a ilusão, então pode, colocando-a de lado, dar sua atenção ao entendimento do relacionamento. Mas se busca segurança no relacionamento, ele se torna um investimento no conforto, na ilusão - e a grandeza do relacionamento é sua própria insegurança. Se sua busca for por segurança no relacionamento, você está impedindo sua função, que é provocar suas próprias ações e infortúnios peculiares. 

Certamente, a função do relacionamento é revelar o estado de bem-estar da pessoa. O relacionamento é um processo de autorrevelação, de autoconhecimento. Essa autorrevelação é dolorosa e exige constante ajustamento, flexibilidade do pensamento e da emoção. É uma luta dolorosa, com períodos de paz iluminada. 

Mas a maioria de nós evita ou põe de lado a tensão no relacionamento, preferindo a calma e o conforto da dependência satisfatória, uma segurança não desafiada, um porto seguro. Então, a família e outros relacionamentos tornam-se um refúgio, o refúgio do imprudente.

Quando a insegurança desliza para a dependência, como inevitavelmente acontece, então esse relacionamento particular é posto de lado e um novo é assumido na esperança de encontrar uma segurança duradoura, Mas não há segurança no relacionamento, e a dependência só gera medo. Sem entender o processo da segurança e do medo, o relacionamento se transforma em um estorvo compulsório, e uma forma de ignorância. Então, toda a existência passa a ser luta e sofrimento, e não há saída para isso exceto no pensamento correto, que surge por meio do autoconhecimento."

(Krishnamurti - O Livro da Vida - Ed. Planeta do Brasil Ltda., São Paulo, 2016 - p. 93/94)


terça-feira, 28 de dezembro de 2021

ATIVO, PORÉM QUIETO

"Para descobrir a nova mente, não só é necessário entendermos as reações do velho cérebro, mas também é necessário que o velho cérebro se aquiete. O velho cérebro deve estar ativo, mas quieto. Você está acompanhando o que estou dizendo? Olhe! Se você descobrisse por si mesmo que existe uma realidade, que existe um Deus - a palavra Deus não é o fato -, seu velho cérebro, que foi alimentado em uma tradição, seja ele anti-Deus ou pró-Deus durante séculos de afirmação social, deveria ficar quieto. Porque, do contrário, isso só faria projetar suas próprias imagens, seus próprios conceitos, seus próprios valores. Mas esses valores, esses conceitos, essas crenças são resultado do que lhe foi dito ou de suas reações ao que lhe foi dito. Por isso, inconscientemente, você diz: 'Esta é a minha experiência!'.

Você tem de questionar a própria validade da experiência - da sua própria experiência ou da experiência de outra pessoa, não importa quem ela seja. Ao questionar, investigar, perguntar, exigir, observar e escutar atentamente, as reações do velho cérebro se aquietam. Mas o cérebro não está dormindo; ele é muito ativo, mas está quieto. Ele chegou a essa quietude por meio da observação, da investigação. E para investigar, observar, você precisa ter luz; e a luz é sua constante vigilância."

(Krishnamurti - O Livro da Vida - Ed. Planeta do Brasil Ltda., São Paulo, 2016 - p. 331)


quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

CORPO E ANIMA

"Nosso corpo é como se fosse um vaso vazio, ou um saco que só fica em pé porque existe uma energia que o preenche e anima; a energia divina.

Essa energia anima todas as coisas viventes. A própria palavra anima significa alma, em latim.

De fato, somos um espírito, e o corpo é nossa morada provisória. Assim como o mergulhador precisa de uma roupa especial para chegar às grandes profundezas do oceano, o espírito também precisa dessa vestimenta material para descer à Terra e viver sua jornada no mundo físico.

O propósito da vida é a evolução. Tudo evolui: os minerais, as plantas, os animais, os seres humanos... Cada um no seu nível de consciência e forma. 

Um dia chegaremos a perceber melhor tudo isso e decifraremos o enigma, quando nossos olhos espirituais estiverem mais abertos para as realidades internas.

Enquanto isso, nosso aprendizado se dá pelas experiências que a vida nos proporciona, com nossas escolhas, erros e acertos. Assim, vamos colhendo os frutos do que plantamos e aprendendo com as lições até entendermos que somos todos um só nessa majestosa aventura comum de fazer desabrochar o deus oculto que habita em cada um de nós e que somos nós. 

Isso é familiar para você? Você já se perguntou sobre o objetivo de sua existência? Acredita na continuidade da vida? Respeita a opinião dos outros? Conversa sobre isso? Tem disposição para ouvir, falar e aprender?

Dizem que: 'A busca da verdade não admite sectarismos'. 'A verdade é uma terra sem caminhos'. 'O caminho se faz ao caminhar'. 'A verdade mora no nosso coração e nos liberta'.

Paz e progresso a todos os seres, em todas as dimensões!"

(Fernando Mansur - O Catador de Histórias - Editora Teosófica, Brasília, 2018 - p. 61)


terça-feira, 21 de dezembro de 2021

CORPO E ALMA

"A história mostra que crenças ou ensinamentos mal compreendidos nos levaram a entender que somos um corpo e que o corpo tem uma Alma. Entretanto, várias tradições espirituais nos mostram que, de fato, somos uma Alma e que o corpo é seu veículo de atuação.

Além do plano físico, existem outros mundos menos densos onde a Alma atua e também se desenvolve. Mas a encarnação física é fundamental no processo evolutivo.

O apego ao corpo nos levou e nos leva a um sofrimento indizível quando chega a hora de nos separarmos dele, pois achamos que é o fim de tudo. O corpo se desintegra, seus elementos são reaproveitados pela natureza e nós continuamos nossa jornada noutro 'lugar', em outro estado de consciência. Nessa outra dimensão a consciência é expandida, e tempo e espaço são diferentes daqueles que conhecemos aqui. Quem já experimentou a sensação de quase morte diz que naquele momento passa uma espécie de filme na mente, em um breve instante, quando a pessoa revê todas as cenas de sua vida. Há então uma surpreendente compreensão de certo e errado e que tudo fica realmente registrado no HD da natureza.

Outro ensinamento que causou grandes danos à boa parte da humanidade foi o do céu e do inferno eternos. Essa crença vem sendo gradativamente revista e ampliada para algo mais compatível e coerente com a bondade divina. 

A teoria dos ciclos e o retorno periódico à manifestação, regulamentados pela lei do karma (causa e efeito), vêm se constituindo num grande lenitivo para aqueles que acreditavam que a morte é o fim.

A busca da verdade exige liberdade de pensamentos e fé nos caminhos apontados pelo coração. Confie e procure respostas para as dúvidas que sua Alma lhe apresenta. Você tem o direito de saber.

Você pode buscar.

Vamos!"

(Fernando Mansur - O Catador de Histórias - Editora Teosófica, Brasília, 2018 - p. 60)


quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

O MISTÉRIO DO LIMIAR - 3

"Uma vez que se considera o significado desses Portais, é evidente que não há outro caminho para escapar dessa forma de existência, exceto através deles. Os Portais somente podem admitir o ser humano para o lugar em que ele se converte no fruto, cuja flor é a natureza humana. A Natureza é a mais bondosa das mães para aqueles que dela necessitem; ela nunca se cansa de seus filhos ou deseja que sejam reduzidos em números. Seus braços amistosos se abrem para a vasta multidão que deseja nascer e viver na forma; e à medida que continuam a desejá-lo, ela permanece sorrindo. Por que , então, ela fecharia as portas a alguns? Quando uma vida não esgotou uma centésima parte do anseio da alma por uma sensação como a que se tem na existência, que razão pode haver para a sua partida a qualquer outro lugar? Certamente as sementes do desejo brotam onde o semeador as semeou. Isso parece razoável; e neste fato, aparentemente evidente, a mente indiana baseou sua teoria da reencarnação, do nascimento e renascimento na matéria, que se tornou parte tão familiar do pensamento oriental que já não precisa mais de demonstração. 

O indiano sabe que para o ocidental um dia vivido é apenas um dos muitos dias que compõem o período da vida de um ser humano. Essa certeza que o Oriente possui com relação às leis naturais, que regem os grandes giros da existência da alma, é simplesmente adquirida por hábitos do pensamento. Muitos fixam suas mentes em assuntos que para o Ocidente são considerados impensáveis. Foi desta forma que o Oriente produziu as grandes flores do crescimento espiritual da humanidade. Seguindo as pegadas mentais de um milhão de seres, Buda passou pelos Portais de Ouro; e graças a uma grande multidão pressionando sobre o limiar, ele pôde deixar para trás as palavras que provam que aqueles Portais se abrirão."

(Mabel Collins - Através dos Portais de Ouro - Ed. Teosófica, Brasília, 2019 - p. 56/58)

terça-feira, 14 de dezembro de 2021

O MISTÉRIO DO LIMIAR - 2

"Não há dúvida de que o ser humano deve educar-se para perceber o que está além da matéria, assim como deve educar-se para perceber o que está na matéria. Todos sabem que o início da vida de uma criança é um longo processo de adaptação, de aprender a entender o uso dos sentidos em relação às suas áreas especiais e de praticar os exercício difíceis, complexos e de órgãos completamente imperfeitos, em referência à percepção do mundo da matéria. A criança é sincera e trabalha sem hesitação se quiser viver. 

Algumas crianças nascidas na alvorada da Terra esquivam-se e recusam-se a enfrentar a imensa tarefa que está diante delas, mas que precisa ser realizada para tornar possível a vida na matéria. Elas voltam para as fileiras dos não nascidos; nós as vemos sacrificar seu múltiplo instrumento, o corpo, e desaparecer no sono. Assim ocorre com a grande multidão da humanidade que triunfou, conquistou e desfrutou do mundo da matéria. Os indivíduos dessa multidão, que aparentemente são tão poderosos e confiantes em seu ambiente familiar, na presença do Universo imaterial são como crianças. E os vemos, de todos os lados, diariamente, e de hora em hora, recusando-se a entrar, afundando-se de novo nas fileiras dos habitantes da vida física, apegando-se às consciências que eles experimentaram e compreenderam. A rejeição intelectual de todo conhecimento puramente espiritual é a indicação mais marcante dessa indolência, da qual os pensadores de todas as posições são certamente culpados.

É evidente que o esforço inicial é pesado, e é claramente uma questão de força, bem como de atividade voluntária. Mas não há como adquirir ou usar essa força quando adquirida, exceto pelo exercício da vontade. É inútil esperar nascer com grandes posses. No reino da vida, não há hereditariedade, exceto aquele do próprio passado do ser humano. Ele precisa acumular aquilo que é dele. Isso é evidente para qualquer observador da vida que usa seus olhos sem estar cego pelo preconceito; e mesmo quando o preconceito está presente, é impossível para o indivíduo sensato não perceber o fato.

É a partir disso que obtemos a doutrina do sacrifício e da redenção, permanecendo através de grandes períodos post-mortem, ou pela eternidade. Essa doutrina é uma maneira estreita e pouco inteligente de afirmar o fato na Natureza, aquilo que um homem semeia, ele colherá. A grande inteligência de Swedenborg viu o fato tão claramente que decidiu por endurecer-se em relação à essa existência em particular; seus preconceitos criando para ele a impossibilidade de perceber a chance de uma nova ação, quando não há mais o mundo sensível para atuar. Ele era muito dogmático para a observação científica e não via que, como a primavera segue o outono, e o dia a noite, o nascimento deve seguir a morte. Ele chegou muito perto do limiar dos Portais de Ouro, e foi além do mero intelectualismo, apenas para fazer uma pausa e dar um passo adicional. O vislumbre que obteve do além da vida pareceu-lhe conter o Universo; e no fragmento de sua experiência, ele construiu uma teoria que incluía toda a vida, recusando-se a progredir além desse estado ou em qualquer possibilidade fora desse. Esta é apenas outra forma de tarefa monótona e árdua. Mas Swedenborg está em primeiro lugar diante da multidão de testemunhas para o fato de que os Portais de Ouro existem e podem ser percebidos das altas regiões do pensamento, e ele nos lançou uma leve onda de sensações a partir de seu limiar."...continua.

(Mabel Collins - Através dos Portais de Ouro - Ed. Teosófica, Brasília, 2019 - p. 52/56)


quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

O MISTÉRIO DO LIMIAR - 1

"Não há dúvida de que, ao ingressar em uma nova fase da vida, algo deva ser abandonado. A criança quando se torna um adulto deixa de lado as coisas infantis. São Paulo dá exemplo dessas palavras, como em muitas outras que ele nos deixou, de que havia provado do elixir da vida e que estava a caminho dos Portais de Ouro. A cada gota do elixir divino colocado no cálice do prazer, algo é purgado desse cálice, abrindo espaço para a gota mágica. Pois a Natureza lida generosamente com seus filhos: o cálice no ser humano está sempre cheio até a borda; e se ele decide provar a essência refinada e vivificante, deverá rejeitar algo da parte mais grosseira e menos sensível de si mesmo. Isso tem que ser feito diariamente, de hora em hora, com o tempo, a fim de que o projeto de vida possa aumentar constantemente. E para fazer isso com firmeza, o indivíduo deve ser seu próprio Mestre, deve reconhecer que está sempre carente de sabedoria, deve estar pronto para praticar quaisquer austeridades, usar contra si mesmo sem vacilação o bastão de bétula, a fim de atingir seu objetivo.  

Torna-se evidente a qualquer um que considera seriamente o assunto, que somente aquele indivíduo que tem em si as potencialidades, tanto as estoicas quanto as da sensualidade, possui alguma chance de entrar nos Portais de Ouro. Ele deve ser capaz de experimentar e apreciar a fração mais delicada daqueles prazeres que a existência tem a oferecer; e ao mesmo tempo negar a si mesmo todo prazer, sem, contudo, sofrer com a contradição. Quando ele realiza o desenvolvimento desta dupla possibilidade torna-se então capaz de afastar-se de seus prazeres e remover de sua consciência os que pertencem absolutamente ao indivíduo físico². Quando esses são removidos há outra classe de prazeres, ainda mais refinada, a ser tratada. Negociar com esses prazeres, que capacitarão um indivíduo a encontrar a essência da vida, não é o método defendido pelo filósofo estoico. O estoicismo não permite que no prazer haja alegria, e negando-se a si mesmo um, ele perde o outro. Mas o verdadeiro filósofo, que estudou a própria vida sem estar preso a qualquer sistema de pensamento, vê que o núcleo está dentro da casca e que, ao invés de esmagar completamente a noz, assim como faz um indivíduo grosseiro e indiferente, ele a obtém quebrando a casa e jogando-a fora. 

Todas as emoções e sensações aplicam-se a esse processo; caso contrário, não poderiam fazer parte do desenvolvimento do indivíduo, um elemento essencial da sua natureza. Para isso, diante de si há poder, vida, perfeição, onde cada porção de seu percurso está repleta de meios para ajudá-lo em seu objetivo; e negam esse fato somente aqueles que se recusam a reconhecer a vida como algo separado da matéria. 

Sua posição mental é tão absolutamente arbitrária que é inútil enfrentá-la ou combatê-la. Durante todo o tempo, o invisível tem oprimido o visível, o imaterial tem dominado o material; em todos os tempos, os sinais e símbolos daquilo que está além da matéria têm esperado pelos materialistas para testá-los e avaliá-los. Para aqueles que, arbitrariamente, escolhem a imobilidade, nada há a ser feito, a não ser deixá-los permanecer tranquilos, realizando aquele trabalho monótono, acreditando que nisso consiste a maior atividade da existência." ...continua. 

² No original em inglês: clay. (N.E.)

(Mabel Collins - Através dos Portais de Ouro - Ed. Teosófica, Brasília, 2019 - p. 49/52)


terça-feira, 7 de dezembro de 2021

SUPERE O NERVOSISMO ESCOLHENDO BOAS COMPANHIAS

"Há duas espécies de nervosismo: psicológico (ou superficial) e mecânico (ou orgânico). O psicológico, a variedade mais comum, nasce da agitação mental. Esta, se for contínua e acompanhada do convívio com pessoas destituídas de qualidades inspirativas, dieta errada e maus hábitos de saúde, causa as manifestações crônicas ou orgânicas das doenças nervosas.  

A alimentação deve ser simples, equilibrada e não deve ser ingerida em excessiva quantidade. O exercício deve ser regular. Dormir demais entorpece os nervos, e dormir de menos prejudica-os. Importantíssima é a escolha das companhias. 'Diz-me com quem andas, e te direi quem és.' Bajuladores não nos ajudam. Devemos buscar a companhia de homens superiores - os que nos dizem a verdade e nos ajudam a progredir. O melhor amigo é quem, humildemente, sugere mudanças valiosas para melhorar nossa vida. 

A crítica veemente, expressa de forma insensível ou má, é como bater com um martelo na cabeça de alguém. O poder do amor é infinitamente mais eficaz. Sugestões bondosas, oferecidas com amor e compreensão, podem fazer milagres; simplesmente apontar defeitos nada produz. Uma pessoa estará em condições de julgar os outros somente quando aperfeiçoar seu próprio caráter. Até lá, julgar-se a si mesmo é a única análise proveitosa. 

O convívio com pessoas calmas e sábias é um dos meios mais rápidos de eliminar o nervosismo e atingir a percepção de nossa divindade inata. Pessoas nervosas deveriam conservar-se longe dos que têm problemas semelhantes."

(Paramahansa Yogananda - A Eterna Busca do Homem - Self-Realization Fellowship - p. 100/101)


quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

ILUMINAÇÃO INTERIOR

"A mais rica linguagem poética é evocada pelo recorrente fenômeno diário do nascimento do sol, uma maravilha da natureza equiparada em esplendor somente ao pôr do sol ao final do dia. No contexto da experiência religiosa, o nascimento do sol é usada como símbolo de iluminação espiritual; os raios do sol tipificam a luz divina vertida na consciência individual. Como o amanhecer assinala o início de um novo dia, o nascimento do sol é apropriadamente empregado para retratar a aurora de uma nova fase na vida interna do homem, uma iniciação a um modo de consciência tradicionalmente descrito na linguagem da luz. 

Mas na verdade o nascimento do sol é uma ficção poética, a transferência de movimento do espectador para o espetáculo. O sol nunca nasce ou se põe. Esses eventos, embora anotados com precisão nos almanaques, jamais ocorrem. A verdade, que quase nem se precisa dizer, é que a Terra gira, e nós com ela; mas tão completo é o nosso condicionamento ao mundo da experiência sensorial que habitualmente projetamos sobre um corpo externo o nosso próprio movimento. A Terra gira, o sol torna-se visível, e dizemos: ele nasce. A Terra gira, o sol some de nossa visão, e dizemos: ele se põe. 

Na literatura da vida espiritual, a adoção do nascimento do sol como símbolo de iluminação interior oculta a verdade de que a iniciação não é o resultado de um favor divino ou uma inspiração poética, mas é produzida por uma mudança no interior do indivíduo. Na verdade a mudança é um giro, uma verdadeira conversão para longe da vida do 'eu' e uma aproximação da vida de autodoação. Quando o aspirante é capaz de rasgar o véu do egoísmo, pode perceber a luz que jamais deixou de estar presente.

As figuras de linguagem têm sido a língua franca dos místicos de todas as eras. Conscientemente empregadas como o único meio verbal para expressar o inexpressável, eles não podiam ser mal interpretados por aqueles para quem a iluminação, o nascimento do sol interior, era um fato de experiência. Onde falta experiência, no entanto, é provável que a ignorância como único intérprete aceite o simbolismo verbal como uma afirmação de fato, perpetuando assim a ilusão que mantém o homem prisioneiro dos seus sentidos. 

Um trecho dos escritos de H. P. Blavatsky expõe vigorosamente um exemplo de nossa escravidão ao ponto de vista egocêntrico - isto é, centrado na personalidade. Ela diz: 'Se ao menos pudésseis apreender a ideia básica.' Lembrando seus discípulos da 'grande verdade axiomática da Realidade Una', acrescenta: 'Esta é a sempre existente Essência Raiz, imutável e incognoscível aos nossos sentidos físicos, mas manifesta e claramente perceptível às nossas naturezas espirituais.' Daí segue-se naturalmente que 'se Ela é onipresente, universal e eterna, Dela devemos ter emanado, e devemos, algum dia a Ela retornar'. 

Há uma consequência ulterior, da qual a ilusão do nascimento do sol pode lembrar-nos diariamente. 'Sendo assim', escreve ela, chamando a atenção mais uma vez para as implicações da grande verdade axiomática, 'então faz sentido que vida e morte, bem e mal, passado e futuro, sejam todas palavras vazias, ou na melhor das hipóteses, figuras de linguagem'. 

O nascer do sol é uma ilusão, pois a Terra gira, mas o sol não nasce. Vida e morte são ilusões, pois há apenas Existência, à qual nada pode ser acrescido, da qual nada pode ser retirado, na qual tudo eternamente é."

(Ianthe H. Hoskins - Iluminação Interior - Revista Sophia, Ano 15, nº 65 - p. 5/7)


terça-feira, 30 de novembro de 2021

O MEDO DA ENTREGA (PARTE FINAL)

"Ao contrário do devoto, o ser humano comum cria inúmeras imagens fantasiosas de Deus. Deus está além de todos os nossos modelos, imagens e imaginação. Ele é referido pelos cabalistas e discípulos Iniciados como O INCOGNOSCÍVEL, A FONTE, O TODO, O UNO. Assim, para chegar mais perto de Deus, é preciso abandonar todas as nossas fantasias e representações sobre a Divindade. A imagem que temos do Pai Celestial geralmente corresponde à projeção que fazemos de nosso pai terreno. Aqueles que tiveram um pai presente, amoroso e compreensivo, projetam essa imagem num Deus amoroso. Porém, muitas pessoas tiveram um pai disciplinador, sem sempre presente e, por isso, propenso a mentir, fazer barganhas e manipulações para conseguir ser aceito e obedecido.   

Aqueles que têm uma imagem de Deus, como sendo um pai amoroso estão mais propensos a se entregar a Deus. Porém, aqueles que têm uma imagem de Deus como disciplinador, sujeito a acessos de ira e propensos a fazer barganhas, terão medo de Deus. Consequentemente terão dificuldade para realmente se entregar a Deus. Portanto, a mudança em nossa crença de um Deus de medo para um Deus de amor é um dos requisitos essenciais para a vida espiritual, em geral, e para a entrega, em particular. 

Infelizmente, grande parte dos cristãos, sejam eles católicos ou evangélicos, é condicionada a crer em um Deus do medo. As pregações nessas igrejas enfatizam reiteradamente que todo pecador será castigado no inferno por toda a eternidade. Não é de se estranhar que os fiéis e crentes desenvolvam um 'temor' a Deus em vez de um 'amor' a Deus. A entrega a Deus, nesse caso, passa a ser um ato temerário.

Assim que entendermos, sem a menor dúvida, que a vontade de Deus, que é Amor e tudo Sabe (porque vive em nós mesmos), é que sejamos verdadeiramente felizes, não vamos sentir mais a necessidade de pedir qualquer outra coisa além de que Sua vontade seja feita. Nesse caso, ao pedir que seja feita a Vontade de Deus, instruímos nossas mentes a focar na beleza da vida, a ver todas as razões que temos para celebrar e repousar na certeza de que estamos protegidos e no caminho certo, em vez de lamentar.

Mas, ainda assim, o poder do ego é tão forte que temos receio de deixar tudo inteiramente nas mãos de Deus porque não temos certeza se Ele vai cuidar de todos nossos interesses e projetos. Essa atitude demonstra que nossos principais interesses ainda estão neste mundo. Como dizia o Mestre: 'Onde está o teu tesouro, aí estará o teu coração'. Nesse caso, a pessoa que ainda não está pronta para dar o grande passo da entrega, pois não confia em Deus."

(Raul Branco - A Essência da Vida Espiritual - Ed. Teosófica, Brasília, 2018 - p. 114/115)


quinta-feira, 25 de novembro de 2021

O MEDO DA ENTREGA (1ª PARTE)

"Além da insegurança criada pelo ego, outra importante razão para não nos entregarmos a Deus é o temor doentio de que talvez Deus não saiba realmente o que precisamos para ser feliz. Esse temor é um corolário de nosso apego à vida deste mundo, na forma de uma racionalização para justificar nossa insistência em fazer o que nossa personalidade quer. Temos uma série de desejos e anseios, na maior parte fantasias de gratificação dos sentidos e também de nos tornarmos importantes e poderosos, incitando a admiração e respeito das pessoas (o sonho do ego). Portanto, ainda estamos presos a este mundo. Por essa razão, nossa mente nos diz (corretamente) que uma possível entrega a Deus nos levará pra longe dos devaneios do ego.

O que significa na prática, nos entregarmos à vontade de Deus? Talvez seja mais proveitoso começarmos perguntando quem se entrega a quem? Essa questão vem recebendo a atenção dos sábios da humanidade desde tempos imemoriais: quem sou eu? Vivemos numa identificação errônea com o corpo e o ego. Num sentido prático, somos dois seres em um: por um lado nosso Ser verdadeiro e eterno, que é divino, é Cristo em nós e, por outro, o nosso ser impermanente e ilusório que é o ego que se identifica com o corpo. Falando sobre a natureza humana, Paulo afirmou em coríntios: Se há um corpo psíquico, há também um corpo espiritual'. Paulo também disse: 'Não sabeis vós que sois o templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?' Por muitos milhares, na verdade, milhões de anos nos identificamos com aquele ser que percebemos com nossos sentidos, o corpo governado pelo ego. 

O processo de entrega é a renúncia a este mundo, em que vivemos para a gratificação dos sentidos e do ego, para nos identificar com o Cristo interior e viver de acordo com a Vontade do Pai Celestial. Mas, qual é a vontade de Deus para conosco? Como somente os verdadeiros devotos têm total certeza sobre a beneficência da vontade de Deus para conosco, temos a tendência a criar fantasias sobre o que pode ser a vontade de Deus dependendo da imagem que temos Dele. 

Nesse ponto, será útil uma definição. Usamos várias vezes o termo 'devoto'. O que significa ser um devoto? É ser inteiramente devotado ou dedicado a um projeto, a uma causa, a uma missão ou a uma figura religiosa. Ele pode ser um místico, um herói nacional, um grande empresário, um verdadeiro artista ou um atleta olímpico. Eles sacrificam tudo por seu ideal. Num sentido, eles são verdadeiros obcecados. Para termos uma ideia da extensão desta 'devoção', o grande campeão de natação, Michael Phelps,  queimava 12.000 kcal/dia²⁹ em seus exercícios, só tirava um dia de folga por ano e treinava cerca de cinco horas por dia na piscina, além dos exercícios de musculação e o estudo dos mínimos detalhes de seu desempenho em vídeos. Portanto, os devotos vivem de acordo com as duas máximas ensinadas por Jesus: 'Ninguém pode servir a dois senhores' e 'Onde está o teu tesouro, aí estará o teu coração'.

A questão da dedicação na vida espiritual é tão importante que um Mestre instruindo um aspirante ao discipulado afirmou:

'Como você sabe, existem certas palavras em nosso vocabulário mais oculto que têm graus de significado em geral de acordo com a pessoa que usa essas palavras e, mais especificamente, a quem são aplicadas. A palavra 'dedicado' é um exemplo. Em seu significado pleno, para todos nós, ser dedicado a um ideal, a realização de uma meta e a seguir um modo de vida apropriado, significa aceitação total e exclusiva do objetivo e de trabalhar e viver para ele; nada mais tem realmente qualquer importância, em comparação. Caso um assunto associado esteja envolvido, então seu significado e o fato de ser desejável ou não seriam imediatamente julgados de acordo com o ideal e, reitero, exclusivamente. Tal, no significado mais elevado da palavra, é dedicação. Porém, as pessoas podem ser dedicadas em vários graus, não é verdade? Ou, o cumprimento que dão ao ideal pode ser somente parcial, hesitante ou algo nesse sentido. Elas também podem ser consideradas como, num sentido menor da palavra, dedicadas e assim respeitadas  por fazerem o melhor que podem, considerando sua evolução, posição espiritual, karma e outros interesses.'³⁰" ...continua

²⁹ Kcal/d é abreviação para quilocaloria por dia. Caloria é uma unidade de medição de energia. A caloria é geralmente usada para definir o valor energético dos alimentos. Os cientistas sugerem que a necessidade energética do ser humano depende do sexo, altura e intensidade de atividade. Por exemplo, um homem com 1,80m, pouco ativo, precisa de 2350 kcal/d, se for ativo de 2900 kcal/d e muito ativo de 3500 kcal/d. 
³⁰ Luz do Santuário - O diário Oculto, op. cit., p. 346.

(Raul Branco - A Essência da Vida Espiritual - Ed. Teosófica, Brasília, 2018 - p. 111/113)


terça-feira, 23 de novembro de 2021

A ENTREGA A DEUS (PARTE FINAL)

"(...) As tentativas de encontrar um meio termo entre esses dois mundos não dão certo. Apesar do alerta de Jesus, os seres humanos insistem em tentar servir a Deus e aos interesses materiais ao mesmo tempo (referidos nos Evangelhos como Mamon, ou o dinheiro). A razão para isso é a infantil crendice das pessoas nas promessas do ego. No entanto, verificamos, ao custo de muita dor, que não se pode confiar nas promessas do nosso inimigo sedutor, tais como: 'a vida é curta, vamos aproveitar as boas coisas da vida enquanto somos jovens e deixar a vida espiritual para quando ficarmos velhos'; 'essa coisa de ética é uma bobagem - vou aproveitar agora que ninguém está vendo e, além do mais, o que eu quero não faz mal a ninguém'; e muitas outras propagandas enganosas do nosso inimigo interior.

Uma escolha clara e firme tem que ser feita por quem almeja progredir na senda. O progresso acelerado só ocorre quando voltarmos as costas para o mundo. O ensinamento de Jesus ainda reverbera depois de dois milênios:

'Entrai pela porta estreita, porque largo e espaçoso é o caminho que conduz à perdição. E muitos são os que entram por ele. Estreita, porém, é a porta e apertado o caminho que conduz à Vida. E poucos são os que o encontram'.

Apesar de saber que precisamos viver no mundo material, ainda é válido o alerta de Paulo de que 'devemos estar no mundo sem ser do mundo.' Como é possível viver no mundo sem estarmos envolvidos nos valores e nos costumes deste mundo? Os místicos descobriram como resolver esse aparente impasse: entregando-se a Deus. Jesus já havia ensinado essa solução na parte mais espiritual da oração que ele mesmo nos ensinou: 'Pai nosso que estais no céu, santificado seja o vosso Nome, venha a nós o vosso Reino, SEJA FEITA A VOSSA VONTADE, ASSIM NA TERRA COMO NO CÉU'. No céu, ou seja, na consciência da unidade que reina nos planos superiores, a Vontade de Deus ocorre naturalmente como se fosse o alento eterno dos Logos. Mas na Terra, tudo deve ser feito de acordo com as decisões do ser humano, em virtude do seu livre-arbítrio: ele decide e colhe as consequência de suas escolhas. 

Jesus deu seu próprio exemplo no Getsêmani, quando ciente do sofrimento que o aguardava, mas movido pelo senso do dever, disse: 'Meu Pai, se é possível, que passe de mim este cálice; contudo, não seja como eu quero, mas como tu queres'.

Por que os 'buscadores espirituais' não seguem esta recomendação e insistem em fazer as coisas pela metade? Existem várias razões  para isso. A primeira é o poder limitante de nossos condicionamentos. Ao longo da vida desenvolvemos uma série de crenças que passam a agir em nós como um programa de computador. Elas tornam-se comandos automáticos e inconscientes para nossa mente. Passamos a agir como se nossa vida estivesse programada e depois, quando as coisas não dão certo, racionalizamos que aquilo realmente tinha que ser feito. Nosso desafio é quebrar esses condicionamentos negativos.

A tradição hinduísta dá grande importância à entrega a Deus . Nos Yoga-Sütras, um dos deveres ou observância (miyama) é referido como entrega a Deus (Ishvara-pranidhãna) ou, como preferem alguns autores, como Aspiração ao Alto, ou seja, a constante orientação para a meta escolhida."

(Raul Branco - A Essência da Vida Espiritual - Ed. Teosófica, Brasília, 2018 - p. 101/103)


quinta-feira, 18 de novembro de 2021

A ENTREGA A DEUS (1ª PARTE)

"A pessoa madura é consciente de que deve assumir a responsabilidade por construir a sua vida, sem sonhar e esperar que seus problemas sejam resolvidos por uma fonte externa. No entanto, um dos pilares da vida espiritual é a entrega a Deus. Será que estamos diante de mais um paradoxo da vida oculta? Esse não é o caso. As duas proposições são verdadeiras concomitantemente, pois Deus não é uma fonte externa, mas sim o âmago de nossa natureza interior. Na verdade somos uma expressão de Cristo, somos o Filho de Deus, mas a maior parte da humanidade ainda não tem consciência desta verdade profunda e eterna. 

Nosso progresso na Senda espiritual torna-se acelerado quando fazemos uma sincera entrega a Deus ou, como alguns estudiosos preferem dizer, uma entrega à nossa natureza divina. Com isso transferimos o centro de decisões de nossa vida, do ego, com suas limitações de todos os tipos, para nossa natureza superior, com seu amor, sabedoria e total comprometimento com nossa felicidade última. Com isso estaremos desativando o atual agente controlador de nossa vida, que não busca o nosso verdadeiro interesse, e entregando o controle para nosso Pai/Mãe Celestial, cujo propósito é a nossa libertação do sofrimento e Iluminação, ou seja, o nosso 'passaporte' para que, como filhos pródigos que somos, possamos retornar par a Casa do Pai.

Quando realmente nos entregamos a Deus sentimos que não estamos mais sozinhos. Passamos a ter acesso a toda a sabedoria e poder que SERÃO NECESSÁRIOS para superarmos as dificuldades e os desafios que todo aspirante enfrenta no caminho que leva à Verdade que nos liberta. Vista sob outro ângulo, a entrega a Deus acelera nosso progresso na Senda, justamente porque o objetivo da vida espiritual é alcançar a consciência da unidade com Deus. 

Sabemos, por experiência própria, que tudo conspira contra as mudanças necessárias na vida espiritual. As tentações vivem nos fazendo tropeçar. Os apegos dificultam nosso progresso. O ego usa de mil artimanhas para garantir a manutenção do status-quo, sendo uma das mais importantes, no mundo cristão, a crença errônea de que somos 'vis pecadores'. Essas dificuldades afetam buscadores novatos e avançados indistintamente, como indica a famosa passagem do Apóstolo Paulo:

'Eu sei que o bem não mora em mim, isto é, na minha carne. Pois o querer o bem está ao meu alcance; não, porém, o praticá-lo. Com efeito, não faço o bem que eu quero, mas pratico o mal que não quero. Ora, se eu faço o que não quero, já não sou eu que estou agindo, e sim o pecado (o ego) que habita em mim'.

Esse impasse também foi aludido por Jesus no Sermão da Montanha quando ele declarou: 'Ninguém pode servir a dois Senhores'. Temos que decidir se queremos tomar o caminho que nos levará às alturas espirituais ou permanecer nos vales sombrios deste mundo de ilusões, sofrendo sob o jugo do ego. Neste caso permaneceremos sujeitos às inesperadas virados do destino com suas amargas surpresas e desilusões. Nossas experiências são equiparadas a sonhos. Esses sonhos são de nossa criação. Como eles são a nossa percepção errônea da realidade, podemos mudá-los a qualquer momento. Temos o poder de criar o inferno e o poder de criar o céu. Por que não usar a nossa mente, nossa imaginação, nossas emoções e nossa determinação para criar o céu? Com isso passamos a perceber a paz, o amor e a alegria à nossa volta em tudo e em todos.(...)" ...continua.

(Raul Branco - A Essência da Vida Espiritual - Ed. Teosófica, Brasília, 2018 - p. 99/101)


terça-feira, 16 de novembro de 2021

AMAR AS PESSOAS DIFÍCEIS

"Em nossa vida diária, a aceitação nos levará a não sermos indiferentes e muito menos grosseiros com as pessoas que encontramos, mesmo que a atitude delas não seja amigável. Se nosso coração estiver realmente pleno de amor, essa vibração vai transparecer em nosso olhar e em nossa atitude para com as pessoas em todas as situações. O fluxo natural da vida é de dentro para fora. Não precisamos nos preocupar com o que dizer ou o que fazer. Como nos ensinou Jesus 'a boca fala daquilo de que o coração está cheio'. O mesmo podemos dizer sobre nossas ações; elas vão refletir a vibração de nosso coração se estivermos praticando sempre o que Jesus nos pediu: 'Como eu vos amei, amai-vos também uns aos outros. Nisto reconhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns pelos outros.'

Precisamos não só ler ou ouvir os ensinamentos de Jesus, mas principalmente senti-los em nosso coração. Ao ouvirmos que devemos nos amar uns aos outro, nossa primeira reação pode ser de que eu já amo aqueles que estão comigo no Caminho em busca da autotransformação. No entanto, precisamos aprender a amar a TODAS as pessoas e não só nossos amigos e companheiros de 'busca'. Os ensinamentos de Jesus, apresentados a seguir, são os grandes desafios do verdadeiro cristão:

"Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás; aquele que matar terá de responder no tribunal. Eu, porém, vos digo: todo aquele que se encolerizar contra seu irmão, terá de responder no tribunal; aquele que chamar ao seu irmão 'Cretino!' estará sujeito ao julgamento do Sinédrio; aquele que lhe chamar 'Louco' terá de responder na Geena de fogo.
Ouviste que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem; desse modo vos tornareis filhos do nosso Pai que está nos céus, porque ele faz nascer o seu sol igualmente sobre maus e bons e cair a chuva sobre justos e injustos. Com efeito, se amais aos que vos amam, que recompensa tendes? Não fazem também os publicanos [coletores de impostos] a mesma coisa? E se saudais apenas os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem também os gentios a mesma coisa? Portanto, deveis ter perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito."

O verdadeiro cristão deve ir além da tradição e além de não fazer o mal. É preciso obedecer ao principal mandamento do Mestre; amar-nos uns aos outros, sem excluirmos a maior parte dos membros da família humana que porventura não alcançam o padrão elevado que gostaríamos de encontrar em nossos companheiros de jornada. Se não transformarmos a nossa mente e nos conscientizarmos que somos TODOS filhos de Deus, ainda que alguns estejam profundamente adormecidos para a realidade fundamental da UNIDADE, seremos exatamente como o homem comum que nutre um profundo ódio, ainda que velado, para todos aqueles que não compartilham suas crenças e não agem de acordo com suas expectativas. São esses sentimentos de animosidade que fazem com que tantas pessoas cometam vandalismos e atos de crueldade contra os 'torcedores do outro time' ou os 'simpatizantes do outro partido,' O discípulo do Mestre deve ser diferente da multidão, deve considerar todos como 'irmãos' e tratá-los como tal.

Mas parece haver limites para a aceitação e o amor ao próximo. Muitos dirão que é impossível gostar das pessoas cujo comportamento vai contra a ética e tudo o que mais prezamos na vida social. Eles estão certos, não é possível gostarmos dessas pessoas. No entanto, não estamos falando de gostar, mas sim de amar. Há uma grande diferença entre gostar e amar, apesar da confusão que muitas pessoas fazem pensando que os dois termos são sinônimos. Realmente, precisamos ter empatia, afinidade, respeito e até mesmo admiração para gostar de alguém. No entanto podemos amar até mesmo os criminosos e aqueles que nos perseguem como Jesus nos ensinou.

Como isso é humanamente possível? Lembremos que dois pontos essenciais do amor são: desejar de coração o bem do outro e fazer o que estiver ao nosso alcance para que isso venha a ocorrer. Procuremos imaginar um criminoso que causa grande dano à sociedade, seja ele um político corrupto, um estuprador ou um assassino impiedoso. Qual o maior bem que poderemos desejar a esse criminoso?

Que ele DESPERTE para o sofrimento que está causando aos outros e, por isso, a ele mesmo, em virtude da Lei de Causa e Efeito. Todos nós podemos desejar esse despertar, essa mudança interior que, caso venha realmente a ocorrer, trará grandes benefícios para o criminoso e para a sociedade. Na verdade, é o que devemos sinceramente pedir a Deus, em vez de pedirmos vingança pelos crimes e maldades feitos por esses ignorantes da Grande Lei. O desejo de vingança, ainda que eufemisticamente o chamemos de justiça, só vai alimentar a vibração negativa da comunidade que está ciente dos crimes praticados e reforçar as atitudes negativas do criminoso. Algo que é geralmente ignorado é que nossos desejos geram karma, que neste caso pode ser bem pesado:

"Lembra-te de que a veste maculada que hoje evitais tocar pode ter sido tua ontem, ou pode ser tua amanhã. Não te iludas imaginando que podes apartar-te do mau ou do insensato. Eles são tu mesmo, embora em grau menor do que o teu amigo ou teu Mestre'.¹⁹"

¹⁹ Luz no Caminho, op. cit., p 36-38.

(Raul Branco - A Essência da Vida Espiritual - Ed. Teosófica, Brasília, 2018 - p. 79/83)


quinta-feira, 11 de novembro de 2021

DEUS É O AMANTE POR TRÁS DE TODO AMOR

"Enquanto buscava o amor duradouro, vim a compreender que Alguém Mais cuidava de mim por intermédio de todos os amores humanos. O Divino me tem amado como mãe, pai e amigo. Procurei o único Amigo por trás de todos os amigos, aquele Amante a Quem agora vejo brilhando nas faces de todos vocês. E esse amigo nunca me abandona.

Deus está por trás de tudo. 'Honrarás teu pai e tua mãe',³ mas 'amarás ao Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força'.⁴ Vocês precisam compreender como é importante cultivar a amizade divina com Ele, sem mais perda de tempo. Ao dormir, como podem ter certeza de acordar no dia seguinte? Um a um, nós deixamos esta terra. Mas não se deve lamentar nada. Ao morrer, seremos chamados a renascer aqui, iniciando outra vida a partir do ponto em que interrompemos esta. 

Vejo a vida e a morte como o subir e o descer das ondas do mar. No nascimento, uma onda levanta-se da superfície e, na morte, ela cai adormecida no seio de Deus. Realmente percebi isto. Sei que jamais morrerei, pois, quer esteja dormindo no oceano do Espírito, quer desperto em um corpo físico, estou sempre com Ele. Essa suprema felicidade não pode ser encontrada no mundo; mas não precisamos fugir para a floresta para buscá-Lo. Podemos encontrá-Lo nesta floresta da vida cotidiana, na gruta do silêncio interior.

Não importa quantos erros tenham cometido; são apenas temporários. Vocês são feitos à imagem do Espírito. O Senhor criou o filme ilusório da terra e de todos os seus prazeres com um só objetivo: que vocês não se deixassem iludir pelo jogo de maya, abandonando-o para amar só a Ele. Esta é a verdade; não pode ser diferente. Por que somos levados a sentir amor pelos membros de nossa família, somente para vê-los partir, um a um? Essas coisas acontecem para ajudar-nos a compreender que é Ele quem nos ama, por detrás de todos os entes queridos. 

A dificuldade, no filme da vida, é que todas as irrealidades parecem reais e todas as realidades parecem irreais. Todas as noites, quando dormimos, o mundo desaparece de nossa consciência, para que possamos compreender que o universo material não é real. Essa lição do sono não é dada para amedrontar-nos, e sim para que busquemos a realidade de Deus. A alma jamais poderá satisfazer-se com coisa alguma, exceto com Ele e Seu amor. O espírito de Deus é a realidade que nada mais pode igualar.⁵"

³ Mateus 19:19.
⁴ Deuteronômio 6:5.
⁵ 'Para o irreal, não há existência. Para o real, não há inexistência. Os homens de sabedoria conhecem a verdade final a respeito de ambos' (Bhagavad Gita II:16).

(Paramahansa Yogananda - A Eterna Busca do Homem - Self-Realization Fellowship - p. 179/180)


terça-feira, 9 de novembro de 2021

EDUCAÇÃO PARA A PAZ

"Conheci um casal determinado a treinar seus quatro filhos no caminho da paz. Toda noite, na hora do jantar, davam um sermão sobre a paz. Mas certa noite eu ouvi o pai gritar com o filho mais velho. Na noite seguinte, ouvi o filho gritar com o irmão mais novo, no mesmo tom de voz. O que os pais diziam não causava qualquer impressão - os filhos seguiam o que eles faziam, os seus atos.

Implantar ideias espirituais nos filhos é muito importante. Muitas pessoas vivem toda a sua vida segundo conceitos que lhes foram implantados na infância. Quando as crianças aprendem que obterão mais atenção e mais amor ao fazer coisas construtivas, tendem a parar com as atitudes destrutivas. E o que é mais importante: as crianças aprendem pelo exemplo. Não importa o que você diz; o que as influência é o que você faz. 

Isso é desafiador para os pais. Você está treinando seus filhos no caminho do amor, que é o caminho do futuro?

Preocupa-me ver uma criança pequena observar o herói atirar no vilão na televisão. Isso ensina que atirar nas pessoas é heroísmo. O herói acabou de fazê-lo e foi aplaudido.

Se um número suficientemente grande de pessoas encontrar a paz interior e quiser mudar essa instituição chamada televisão, as crianças verão o herói transformar o vilão em um cidadão de bem. Elas o verão fazer algo significativo, como servir ao próximo. E aprenderão que, se querem ser heróis, devem ajudar as pessoas. 

Um sacerdote que conheço passou algum tempo na Rússia. Ele não viu crianças brincando com armas. Visitou uma grande loja de brinquedo em Moscou e descobriu que não vendiam armas de brinquedo.

O treinamento pacífico é oferecido em algumas pequenas culturas. Conheci um casal que viveu mais de dez anos entre os índios Hopi, e me disseram: 'É surpreendente como eles jamais fazem mal a quem quer que seja.' Eu convivi com o povo Amish. Eles têm comunidades grandes, pacíficas, seguras, sem qualquer violência. Conversei com eles e compreendi que é porque aprendem desde criancinhas, que seria impensável fazer mal a qualquer ser humano. Portanto, eles jamais o fazem. 

Certa vez uma mulher trouxe-me sua filha de quatro ou cinco anos e perguntou se eu podia explicar à criança o que é bom e o que é ruim. Eu disse: 'Ruim é algo que fere alguém. Quando se come comida de má qualidade isso fere você, e assim isso é ruim.' Ela compreendeu. 'Bom é algo que ajuda alguém. Quando você cata seus brinquedos e os coloca de volta na caixa de brinquedos, isso ajuda sua mãe, assim isso é bom.' Ela compreendeu. Às vezes a explicação mais simples é a melhor.

Quando meus pais me punham para dormir, eles diziam: 'Está escurecendo, por isso é melhor você ir descansar. É hora de dormir na tranquila, boa e amiga escuridão.' Assim, para mim a escuridão sempre pareceu amiga. Quando estou caminhando à noite para me manter aquecida, ou quando estou dormindo à beira da estrada, estou na tranquila, boa e amiga escuridão."

(Peace Pilgrim - Educação para a paz - Revista Sophia, Ano 19, nº 92 - p. 20)

                                                

quinta-feira, 4 de novembro de 2021

A MORTE NO MUNDO MODERNO (PARTE FINAL)

"Mesmo quando alguém que conhecemos ou amamos está morrendo, muito frequentemente percebemos que não temos quase nenhuma ideia sobre como ajudar; e quando morre, não nos animamos a pensar no futuro do morto, como seguirá, ou como poderemos continuar a ajudá-lo. De fato, toda tentativa de pensar sobre essas coisas corre o risco de ser rejeitada como disparatada e ridícula.

O que tudo isso nos mostra, com uma clareza dolorosa, é que agora mais do que nunca estamos precisando de uma mudança fundamental em nossa atitude em relação à morte e aos que estão morrendo. (...)

As pessoas que estão morrendo precisam de amor e carinho, porém também precisam de alguma coisa ainda mais profunda. Precisam descobrir um significado real para a morte e para a vida. Sem isso, como podemos dar-lhes conforto definitivo? A ajuda aos que estão morrendo, então, deve incluir a possibilidade de ajuda espiritual, porque só com conhecimento espiritual podemos de fato encarar e compreender a morte. 

Sinto-me encorajado com a abertura que ocorreu no Ocidente, nos últimos anos, para o tema morte e do morrer, graças a pioneiros como Elisabeth Kübler-Ross e Raymond Moody. Olhando profundamente para o modo como cuidamos dos que estão morrendo, Elisabeth Kübler-Ross mostrou que, com amor incondicional, a morte pode se tornar uma experiência pacífica e até transformadora. Estudos científicos dos muitos diferentes aspectos da experiência da morte, que se seguiram ao corajoso trabalho de Raymond Moody, deram à humanidade forte e viva esperança de que a vida não acaba com a morte, e de que há, de fato, uma 'vida após a vida'.

Alguns, infelizmente, não entenderam o significado completo dessas revelações sobre a morte, e cheguei a ouvir falar de casos trágicos em que jovens cometeram suicídio porque acreditaram que a morte era bela, e uma saída para a depressão de suas vidas. Mas, quer tenhamos medo da morte e nos recusemos a encará-la, quer a romantizemos, ela é banalizada. O desespero e a euforia diante da morte são formas de evasão. Ela não é nem deprimente nem excitante, mas tão somente um fato da vida.

Como é triste que a maioria de nós apenas comece a apreciar a vida quando estamos a ponto de morrer! Penso sempre nas palavras do grande mestre budista, Padmasambhava: 'Os que creem ter muito tempo, preparam-se somente na hora da morte. Aí são devastados pelo remorso. Mas já não será tarde demais?' Não há comentário mais desalentador sobre o mundo moderno do que esse: a maioria das pessoas morrer despreparada para morrer, como viveu despreparada para viver." 

(Sogyal Rinpoche - O Livro Tibetano do Viver e do Morrer - Ed. Talento/Ed. Palas Athena, 1999 - p. 27/28


terça-feira, 2 de novembro de 2021

A MORTE NO MUNDO MODERNO (2ª PARTE)

"O medo da morte e a ignorância sobre a vida após a morte estão alimentando essa destruição do meio ambiente que está ameaçando tudo em nossas vidas. O mais perturbador nisso tudo não é o fato de que as pessoas não recebam instrução sobre o que é a morte, ou como morrer? Ou que não tenham esperança alguma no que vem após a morte, no que está por trás da vida? Pode alguma coisa ser mais irônica do que a existência de jovens altamente educados em todos os campos do conhecimento, exceto naquele que detém a chave do sentido global da vida, e talvez até da nossa sobrevivência?

Sempre me intrigou que alguns mestres budistas que eu conhecia fizessem uma simples pergunta às pessoas que se aproximavam deles buscando ensinamento: 'Você acredita numa vida depois desta?' Não se trata de saber se a pessoa acredita nisso como uma proposição filosófica, mas se sente isso no fundo do seu coração. O mestre sabe que, se alguém acredita numa vida futura, sua visão de mundo será diferente e terá um outro sentido de responsabilidade e moralidade pessoal. O que os mestres suspeitam é que aqueles que não têm uma crença firme numa vida após a morte, vão criar uma sociedade fixada em resultados a curto prazo, sem qualquer preocupação com as consequências dos seus atos. Seria essa a principal razão pela qual criamos um mundo brutal como este em que vivemos, um mundo em que a verdadeira compaixão está quase ausente?

Às vezes penso que os países mais poderosos e influentes do mundo desenvolvido são como o reino dos deuses descrito nos ensinamentos budistas. Diz-se que esses deuses vivem suas vidas em meio a um luxo fabuloso, mergulhados em todos os prazeres imagináveis, sem um único pensamento sobre a dimensão espiritual da vida. Todos parecem muitos felizes até que a morte se aproxima, e aí alguns sinais inesperados de desintegração aparecem. Então, as esposas e amantes desses deuses não mais se atrevem a se aproximar deles, atirando-lhes flores à distância, com preces ocasionais para que eles renasçam novamente como deuses. Nenhuma de suas lembranças de felicidade ou conforto pode agora protegê-los do sofrimento que eles enfrentam; isso só faz com que fiquem mais desesperados, de tal modo que esses deuses são deixados para morrerem sozinhos e miseravelmente.  

O destino dos deuses me faz pensar na maneira com os velhos, os doentes e os que estão morrendo são tratados hoje. Nossa sociedade é obcecada por juventude, sexo e poder, e nós nos esquivamos da velhice e da decadência. Não é terrível que desprezemos as pessoas idosas quando sua vida de trabalho se encerrou e elas já não mais pareçam úteis? Não é perturbador que nós as joguemos em asilos, onde morrem solitárias e abandonadas? 

Não é tempo também de olharmos de um modo diferente a maneira como tratamos os que sofrem de doenças terminais como o câncer e a AIDS? Conheci um bom número de pessoas que morreram de AIDS, e sei como elas foram muitas vezes tratadas como párias, até por seus amigos, e como o estigma da doença levou-as ao desespero e fez com que achassem a vida horrível, sentindo que aos olhos do mundo já estavam acabadas." ... continua. 

(Sogyal Rinpoche - O Livro Tibetano do Viver e do Morrer - Ed. Talento/Ed. Palas Athena, 1999 - p. 26/27


quinta-feira, 28 de outubro de 2021

A MORTE NO MUNDO MODERNO (1ª Parte)

"Quando vim pela primeira vez ao Ocidente, fiquei chocado com o contraste entre as atitudes em relação à morte com que eu havia sido criado e as que então encontrei. Apesar de todas as suas conquistas tecnológicas, a sociedade ocidental moderna não tem uma compreensão real da morte ou do que acontece durante ou depois dela.

Aprendi que as pessoas hoje são ensinadas a negar a morte e a crer que ela nada significa, a não ser aniquilação e perda. Isso quer dizer que a maior parte do mundo vive negando a morte ou aterrorizado por ela. Até falar da morte é considerado mórbido, e muitos acham que fazer uma simples menção a ela pode atraí-la sobre si. 

Outros olham a morte de modo ingênuo, com uma jovialidade irrefletida, achando que por alguma razão desconhecida vão se sair bem ao passar por ela, não havendo motivo para preocupação. Quando penso neles lembro-me do que diz um mestre tibetano: 'As pessoas frequentemente cometem o erro de ser frívolas em relação à morte e pensam: 'Ora a morte chega para todo mundo. Não é nada de mais, é apenas natural. Tudo irá bem para mim'. Essa é uma bela teoria, até que se esteja morrendo'.²

Dessas duas atitudes diante da morte, uma a vê como algo de que se deve fugir correndo, outra como um fato que simplesmente irá cuidar de si próprio. Como ambas estão distantes da compreensão do seu verdadeiro significado!

Todas as grandes tradições espirituais do mundo, inclusive, é claro, o cristianismo, dizem explicitamente que a morte não é o fim. Todas falam em algum tipo de vida futura, o que infunde em nossa vida atual um sentido sagrado. Mas, não obstante esses ensinamentos, a sociedade moderna é em larga escala um deserto espiritual em que a maioria imagina que esta vida é tudo o que existe. Sem qualquer fé autêntica numa vida futura, a maioria das pessoas vive toda a sua existência destituída de um sentido supremo.

Cheguei a conclusão de que os efeitos desastrosos da negação da morte vão muito além da esfera individual; eles afetam o planeta inteiro. Crendo basicamente que esta vida é a única, as pessoas do mundo moderno não desenvolveram uma visão a longo prazo. Assim, nada as refreia de saquear o planeta em que vivem para atingir suas metas imediatas, e agem com um egoísmo que pode tornar-se fatal no futuro. (...)"

². Chagdud Tulku Rinpoche. Life in Relation to Death (Cottage Grove, OR: Padma Publishing, 1987), 7. [Traduzido para o português sob o título Vida e Morte no Budismo Tibetano (Porto Alegre: Paramita, 1994).]

(Sogyal Rinpoche - O Livro Tibetano do Viver e do Morrer - Ed. Talento/Ed. Palas Athena, 1999 - p. 24/25


terça-feira, 26 de outubro de 2021

A INVESTIGAÇÃO POR PRAZER - VII

"Qual é o remédio para esta miséria e para este consumo de esforços? Existe algum? Com certeza a vida possui uma lógica em si mesma e uma lei que faz a existência possível. De outro modo o caos e a loucura constituiriam o único estado a que se poderia chegar.

Quando um homem pela primeira vez bebe sua taça de prazer, sua alma fica cheia de indescritível gozo, que causa uma sensação primeira e nova. A gota de veneno que verte na segunda taça, se persiste naquela loucura, é dobrada e triplicada, até que, por fim, a taça inteira é veneno, o qual é o ignorante desejo de repetição e intensificação. Isto evidentemente significa morte, segundo da analogia se deduz. O menino se converte em homem; não pode reter sua infância e repetir e aumentar os prazeres da mesma, a menos de pagar o preço inevitável e de se converter num idiota. A planta crava suas raízes na terra e lança no ar suas verdes folhas; floresce depois e frutifica. A planta que unicamente lança raízes e folhas, detendo-se com persistência no seu desenvolvimento, é considerada pelo jardineiro como uma coisa inútil, e deve ser arrancada. 

O homem que escolhe o caminho do esforço e recusa ceder ao sonho da indolência, permitindo que esta endureça sua alma, encontra nos seus prazeres um novo e mais delicado gozo, cada vez que os experimenta; uma certa coisa sutil e indefinível que se levanta cada vez mais daquele estado em que a mera sensualidade domina; esta ciência sutil, é aquele elixir da vida que faz o homem imortal. Aquele que o experimenta e não quer beber a menos de que a taça o contenha, encontra a vida mais ampla e o mundo cresce ante os seus olhos ardentes. Reconhece a alma na mulher à qual ama e a paixão se converte em paz; ele vê no interior do seu pensamento as mais delicadas qualidades da verdade espiritual, a qual está fora da ação do nosso mecanismo mental e então, em vez de entrar no redemoinho confuso dos intelectualismos, permanece sobre o dorso vasto da águia da intuição e se deixa ficar no ar sutil, onde os grandes poetas sua intuição encontram. Ele vê no seu próprio poder de sensação, de prazer no ar fresco e na luz do sol, na comida e no vinho, no movimento e no repouso, as possibilidades do homem etéreo, daquilo que não morre nem com o corpo nem com o cérebro. Nos prazeres que a arte proporciona, na música, na luz, na beleza; nestas formas, vê ele a glória das Portas de Ouro e passa através das mesmas para encontrar a vida nova, que atrás delas existe e que embriaga e fortalece, do mesmo modo que o ar puro da montanha fortalece e embriaga, graças ao seu vigor. Mas se foi vertendo, gota a gota e cada vez mais, e elixir da vida em sua taça, é já suficientemente forte para respirar este ar intenso, para viver nele. Então, seja que morra, seja que viva na forma física, do mesmo modo avança e com novos e delicados gozos se encontra, experiências mais satisfatórias e perfeitas se lhe apresentam a cada golfada deste ar puríssimo que aspira."

(Mabel Collins - Pelas Portas de Ouro - Ed. Pensamento, São Paulo - p. 28/29

 

quinta-feira, 21 de outubro de 2021

A INVESTIGAÇÃO POR PRAZER - VI

"A indolência é, de fato, a maldição do homem. Assim como o lavrador irlandês e o cigano cosmopolita vivem na pobreza e na miséria por causa de sua completa ociosidade, do mesmo modo o homem do mundo vive contente pela mesma razão, no meio dos prazeres sensuais. Beber vinhos delicados, comer manjares esquisitos, o amor de cores e de sons brilhantes, de formosas mulheres e de magníficos objetos em seu redor, tudo isto, para o homem cultivado, nem tem mais importância nem é mais satisfatório como motivo final de gozo, do que são as grosserias, diversões e prazeres do moço da lavoura, para o homem não cultivado.

Não pode existir o ponto final, porque a vida em cada uma de suas formas é só uma vasta série de delicadas graduações e o homem que decide permanecer imóvel no ponto de cultura que alcançou e confessa que não pode ir mais longe, faz simplesmente uma arbitrária afirmação para desculpar sua indolência. 

Existe, sem dúvida, a possibilidade de declarar que o cigano vive contente no meio da sua pobreza e a sujidade e que, portanto, é tão grande homem como o mais perfeitamente cultivado. Para ele unicamente é assim enquanto permanece na ignorância; no momento em que a luz penetra na obscura inteligência, o homem se volta a ela inteiramente. Assim acontece na mais elevada plataforma, porém a dificuldade de penetrar na mente, de admitir a luz, é muito maior. O lavrador irlandês ama sua aguardente e, enquanto possa tê-la, para nada se preocupar das grandes leis de moralidade e de religião, que se supõe governam e humanidade e induzem os homens a viver com temperança. O gastrônomo culto se ocupa unicamente de sabores sutis e de esquisitos perfumes; porém, estão tão cego com o simples rústico a respeito do fato de que existe algo mais além de semelhantes gratificações. A maneira do lavrador, permanece enganado por um espelhismo que oprime sua alma e imagina que, uma vez obtido um prazer sensual no qual se deleita, pode obter a satisfação suprema, graças a uma interminável repetição, com o que, por fim é presa por demência. O bouquet de vinho que o deleita, penetra em sua alma e a envenena, não lhe deixa outros pensamentos além dos sensuais e se encontra na mesma situação desesperada do homem que morre louco devido a embriaguez. Que benefício obteve o bebedor, da sua demência? Nenhum; a dor devorou, por fim, completamente o prazer e a morte avança para terminar a agonia. O homem sofre o castigo final por sua persistente ignorância de uma lei da natureza, tão inexorável como aquela da gravitação; uma lei que proíbe ao homem permanecer imóvel. Nem sequer duas vezes a mesma taça de prazer se pode saborear; a segunda vez deve conter ou um grão de veneno ou uma gota do elixir da vida. 

O mesmo argumento conserva sua força quanto aos prazeres intelectuais; a mesma lei opera. Vemos homens que, quanto à inteligência, são a flor da sua época, que vão muito mais longe que seus irmãos, que a maneira de torres sobressaem entre eles, são arrastados enfim pela roda fatal, girar sobre a mesma, à maneira de manivelas, cedendo à indolência inata da alma e começando a se engar a si mesmos com a quimera da repetição. Então vem a debilidade e a falta de vida, aquele estado infeliz e enganoso no qual, com demasiada frequência, grandes homens entram, justamente quando a metade da sua vida transcorreu. O fogo da juventude, o vigor da inteligência jovem, vence a inércia interna e faz que o homem escale alturas de pensamentos e encha seus pulmões mentais com o ar livre das montanhas. Mas então, afinal, a reação física dele se apodera; o mecanismo físico do cérebro perde seus ímpetos poderosos e começam seus esforços a se debilitarem, simplesmente porque a juventude do corpo tem um fim. Então é o homem assaltado pelo grande tentador da raça, que sempre em vigia permanece junto à escada da vida, pronto a lançar-se sobre aqueles que a tais alturas chegam. Verte a envenenada gota em seu ouvido e desde aquele momento a consciência toda se converte em estupidez e fica o homem aterrorizado, receando que para ele a vida vai perdendo suas possibilidades. Lança-se então atrás, a um campo de experiência familiar e ali encontra alívio tocando a bem conhecida corda da paixão ou emoção. E muitos, por desgraça, tendo feito isto, dilatam assustados ao lançar-se ao desconhecido e se contentam com fazer soar continuamente aquela corda que com mais facilidade responde. Graças a isto, conservam a certeza de que a vida ainda arde no seu interior. Mas, por fim, seu destino é o mesmo do gastrônomo e do bebedor. O poder do feitiço vai sendo menor de dia para dia, à medida que o mecanismo sensitivo vai perdendo sua vitalidade, e pretende o homem ressuscitar o fervor e excitação antigos, fazendo com mais violência soar a nota, abraçando-se mais estreitamente àquilo que lhe faz sentir, esgotando até o fel a taça envenenada. Então está perdido: a loucura se apodera da sua alma, do mesmo modo que faz presa do corpo do borracho. A vida não tem já, para ele, significação alguma e ferozmente se lança nos abismo da demência intelectual. O menos importante dos homens que cometa esta grande loucura, arrasta os espíritos dos demais por uma triste adesão a um familiar pensamento, por um abraço persistente à roda do moinho que afirma ele ser o objetivo final. A nuvem que o rodeia é tão fatal como a própria morte e os homens que uma vez se prostraram a seus pés, se afastam dele pesarosos e têm que olhar atrás, ter presentes suas primitivas palavras se querem recordar sua grandeza." 

(Mabel Collins - Pelas Portas de Ouro - Ed. Pensamento, São Paulo - p. 25/27)   


terça-feira, 19 de outubro de 2021

A INVESTIGAÇÃO POR PRAZER - V

"Quando parece que o fim foi alcançado, o desígnio logrado e que o homem não tem já nada mais que fazer, então justamente, quando parece que o melhor para ele é comer, beber e viver à larga como as bestas e sumido no mortal ceticismo, então, de fato, se olhar quisesse tão só, as Portas de Ouro que ante ele estão. Com a cultura do século em seu interior e tendo perfeitamente assimilado que ele é uma encarnação da mesma, então está em disposição de intentar o grande passo que, apesar de ser absolutamente possível, é intentado por tão poucos, mesmo entre aqueles que podem fazê-lo. É intentado tão raras vezes, em parte devido às profundas dificuldades que o rodeiam, mas muito mais influi no mesmo, não se convencer o homem de que esta é a direção, na atualidade, na qual a satisfação e o prazer têm que ser obtidos. 

Cada indivíduo se sente atraído por certos prazeres; cada um dos homens conhece que numa ou noutra espécie de sensação encontra suas maiores delícias. E, naturalmente, durante sua vida, a ela de um modo sistemático se dirige, não de outra maneira, o girassol na direção do sol se volta e o lírio sobre a água se inclina. Porém, está lutando continuamente com o fato terrível que oprime sua alma, ou seja que tão depressa como obteve seu prazer, o perde, e uma vez mais tem que andar em sua busca. Mais do que isto jamais na atualidade alcança, porque no momento final lhe escapa. Acontece-lhe isto, porque procura colher o que é impalpável a satisfazer a sede da sua alma com a sensação, por intermédio do contato dos objetos externos. Como pode o que é exterior satisfazer, ou tão somente agradar, ao homem interno, que é o que reina no interior e que não tem olhos para a matéria, nem mãos para tocar os objetos, nem sentidos com os quais se informar do que fora das suas mágicas paredes existe? Aqueles encantadas barreiras que o rodeiam carecem de limites, porque está em todas as partes; deve ser descoberto em todas as coisas viventes e não se pode conceber sem ele nenhuma parte do universo, se este é considerado como um todo coerente. Se desde o começo não se concede o anterior, é completamente inútil considerar a questão da vida. Na verdade, a vida precisa de significação, a menos de ser universal e coerente e a menos que sustenhamos nossa existência devido ao fato de que somos uma parte daquilo que é; não pela razão da nossa própria existência.    

Este é um dos mais importantes fatores do desenvolvimento do homem, o reconhecer o profundo e completo reconhecimento da lei de universal unidade e coerência. A separação existe entre os indivíduos, entre os mundos, entre os diverso polos do universo e da fantasia mental e física chamado espaço, é um pesadelo da imaginação humana. Que os pesadelos existem e que existem só para atormentar, não há criança que não o saiba e o que necessitamos é a faculdade de distinguir entre a fantasmagoria do cérebro que a nós unicamente concerne e a fantasmagoria da vida diária, na qual outros também estão interessados. Esta regra se aplica também ao caso mais amplo. A ninguém importa mais que a nós mesmos que vivamos no meio de um pesadelo de horror ilusório e que nos imaginemos sós no universo e capazes de ação independente, durante tão longo tempo, como nossos associados são só aqueles que constituem uma parte do sonho. Mas quando desejamos falar com aqueles que chegaram às Portas de ouro e, empurrando-as, as abriram, é então inteiramente necessário, de fato é essencial, distinguir e não levar à nossa vida as confusões do nosso sonho. Se isto fazemos, somos considerados loucos e nos aprofundamos nas trevas onde não existe outro amigo que o caos. Este caos tem vindo em continuação de cada um dos esforços do homem que a história registra; depois que a civilização reinou, a flor cai e morre, o inverno e a obscuridade a destroem. Enquanto o homem recusa fazer o esforço de distinção que lhe permitiria distinguir entre as formas noturnas e as ativas figuras do dia, deve isto acontecer inevitavelmente. 

Mas se o homem tem coragem para resistir a esta tendência reacionária e permanecendo firme na altura à qual chegou, adiante seu pé para dar outro passo, porque não há de poder encontrar o que busca? Nada existe que nos dê motivos para supor que a senda termina em um certo ponto, exceto a tradição que assim o tem dito e que os homens tem aceitado e abraçado como uma justificação para sua indolência."

(Mabel Collins - Pelas Portas de Ouro - Ed. Pensamento, São Paulo - p. 22/24)