"(...) Sempre podemos desejar transferir nossas boas ações e pensamentos para o bem de outros. Mas não irá isso interferir com o Karma desses outros? Não, se compreendemos como se faz isso. Na verdade, é quase impossível, e fica além do nosso poder interferir no Karma alheio. Ninguém pode receber o bem indiscriminadamente e, ao mesmo tempo, não podemos dizer quem está em condições de receber ajuda e quem não está. Façamos uma comparação para saber como ajudar outros. Suponhamos um homem caminhando por uma estrada cansativa e carregando uma carga pesada; suponhamos também um outro homem, cheio de compreensão, que se aproxima dele, fala com ele, atrai o seu interesse, de forma que o tempo passa rapidamente e, quando menos se espera, a viagem chega ao fim e a carga ficou meio esquecida pelo mútuo interesse. Bem, nesse caso, o homem levava a carga que ele próprio criara para si. Não obstante, embora fosse Karma seu carregar a sua carga, seu companheiro, no verdadeiro sentido da palavra, ajudou a tornar mais leve aquele peso.
É assim que aprendemos a ajudar-nos mutuamente a carregar nossas cargas. É aprendendo como usar o jugo do Cristo, que leva o Cristo a suportar as cargas dos que tomam o seu jugo, isto é, aprendendo a maneira pela qual Ele carrega o peso. E a Sua maneira é a da paciência, da humildade e do amor. Amor verdadeiro, solidariedade e compaixão para com os outros, ajuda-os a suportar suas cargas e encurtam a jornada para a Meta. Inversamente, os deprimidos e não solidários afetam as condições de todos os que entram em contato com eles. Aqueles, por exemplo, que, não satisfeitos em suportar seus desgostos, acham que devem expor desnecessariamente suas mágoas a todos os que os rodeiam, também os tornam desencorajados. Ainda assim, é bom, de vez em quando, 'chorar com os que choram', porque a solidariedade acalma, e são muitos os que não podem suportar sozinhos os desgostos e precisam de toda a compaixão que pudermos ter.
Dessa forma é que os Salvadores, os Budas, os Nirmanakâyas, estão sempre auxiliando, 'fazendo parivarta' pela salvação de outros. é essa a sua divina tarefa, é essa a Sua natureza — abrandar os desgostos da vida, se ao menos andarmos a Seu lado! Como é simples, não obstante, como é difícil recordar isso, porque não temos Fé. Eles estão sempre nos procurando — esses Senhores e Mestres - não no sentido metafórico, mas real e verdadeiramente. Procuram-nos, e fazem isso com incansável amor e compaixão. Os Budas, isto é, os Iluminados de todos os tempos, estão sempre conosco. Desde o grande Céu Akanishtha, onde moram os Arhats, até o mais baixo dos Infernos, Avitchi, os Budas da Compaixão estão conosco, esperando que falemos com Eles. Quem sabe quantos desastres Eles têm evitado? Quem sabe, mesmo quando vêm os desastres, que Mão os abrandou? Não há, por acaso, uma profunda verdade na declaração de que os Mestres podem suportar nossos desgostos e sentir o peso das nossas iniquidades? Por isso é que entre os budistas Mahayâna os piedosos sempre rezam para que os Nirmanakâyas, ou Budas da Compaixão, jamais nos deixem, para que Aqueles Grandes, que, ao alcançarem o Nirvana, renunciam, com grande sacrifício, a gozá-lo, possam permanecer espiritualmente presentes para ajudar o mundo - e fisicamente presentes, se for necessário.
Nos comentários acima, a respeito do trabalho interoperativo do Karma, não há fuga quanto à responsabilidade implícita da pessoa, com o correr do tempo. Se recebemos algum Bem ou algum Mal de outros, isso tem um propósito, e o Mal pode aliviar um tanto dos nossos próprios erros, enquanto o Bem exteriormente recebido ajuda-nos no gozo do nosso próprio Bem, ou no poder de auxiliar outros. E, embora seja impossível penetrar no ambiente labiríntico das operações Kármicas, devemos compreender que jamais será possível que se faça injustiça contra nós, e que estamos completamente seguros nas mãos do Grande Brahma. Assim, devemos também recordar que tal, como o homem, no exemplo que demos acima, foi realmente auxiliado pela presença de um companheiro solidário, também devemos, forçosamente, carregar nossa própria carga, de forma que também possamos ter nossos encargos aliviados, se andarmos ao lado do Senhor e Mestre, conversando com Ele, ouvindo a Sua Voz, que fala onde som algum pode ser ouvido, na profundidade inefável das nossas Almas."
(Irmão Atisha - A Doutrina do Karma - Ed. Pensamento, São Paulo - p. 37/38)