"A estória de acalmar a tempestade (Mc 4:36-41) é outro exemplo de uma alegoria inspirada. Numa interpretação humana e psicológica, o barco pode ser considerado como um símbolo do corpo humano, que transporta a alma, com seus vários atributos, sobre as águas da vida. Os discípulos são imaginados como personificações de qualidades e tendências humanas, tais como: a impulsividade de Pedro; a possível simplicidade de Tiago e João, filhos de Zebedeu, que eram pescadores; a capacidade de negócios de Mateus; e o profundo e sincero amor de João, o único discípulo que estava presente tanto na sala de julgamento como aos pés da cruz. Judas, que traiu seu mestre, está presente também em cada um de nós como a tendência de desprezar ou mesmo trair nossos princípios mais elevados para a obtenção de ganhos materiais. Felizmente, a presença divina também existe em cada um de nós, mesmo que adormecida por um tempo, tal como Nosso Senhor dormia quando a viagem começou. Uma grande tempestade surgiu, entretanto, e em grande ânsia os discípulos acordaram o Passageiro que dormia, o Senhor Cristo. Ele, com sua majestade e poder, acalmou com uma palavra a violenta tempestade.
Interpretando-se essa estória e aplicando-a às tempestades da vida humana (especialmente de emoção, como está indicado pelo localização do incidente, na água), quando assaltados pela tentação e impelidos pelo desejo ou anseio de erradicar um hábito indesejável, somos aconselhados a afastar nossos pensamentos da dificuldade, a concentrar-nos poderosamente na nossa natureza divina e, com a exclusão de qualquer outro pensamento, afirmar seu irresistível poder. Então, a escuridão do estado indesejável de mente desaparecerá na grande luz que brilha no Deus interno. Simbolicamente, o Cristo desperto acalmará a tempestade.
Assim, em sua aplicação puramente humana, a estória mostra-nos que, quando estivermos ameaçados pelas tormentas da vida, pelos temporais da paixão, raiva e ódio, pelas ânsias do desejo sensual, que ameaçam o sucesso e mesmo a segurança de nossas vidas, despertaremos o divino poder adormecido dentro de nós e clamaremos por sua ajuda. Depois, exaltados e capacitados, estaremos aptos a dizer aos aspectos tempestuosos da natureza humana com a certeza de obediência: 'Silêncio! Quieto!'. A importância dos testes e pressões da vida está indicada também nessa maravilhosa estória; pois, se não tivesse ocorrido a tempestade na Galileia, o Cristo poderia não ter sido acordado. Assim, também, os conflitos e as tempestades de nossas vidas. Eles podem vir a ser os meios para o despertar de nossos poderes superiores mais elevados."
(Geoffrey Hodson - A Sabedoria Oculta na Bíblia Sagrada - Ed. Teosófica, Brasília, 2007 - p. 41)