OBJETIVOS DO BLOGUE

Olá, bem-vindo ao blog "Chaves para a Sabedoria". A página objetiva compartilhar mensagens que venham a auxiliar o ser humano na sua caminhada espiritual. Os escritos contém informações que visam fornecer elementos para expandir o conhecimento individual, mostrando a visão de mestres e sábios, cada um com a sua verdade e experiência. Salientando que a busca pela verdade é feita mediante experiências próprias, servindo as publicações para reflexões e como norte e inspiração na busca da Bem-aventurança. O blog será atualizado com postagens de textos extraídos de obras sobre o tema proposto. Não defendemos nenhuma religião em especial, mas, sim, a religiosidade e a evolução do homem pela espiritualidade. A página é de todos, naveguem a vontade. Paz, luz, amor e sabedoria.

Osmar Lima de Amorim


Mostrando postagens com marcador vida. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador vida. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 29 de abril de 2021

EM SUA VIDA: PARTICIPAÇÃO ÍNTIMA (3ª PARTE)

"(...) Fique alerta à mudança e use-a com sabedoria. Você pode usar a natureza transitória da vida em seu benefício. A maioria das pessoas tem medo de mudar; outras não dão importância. Para usar a mudança de modo criativo, tais atitudes não irão funcionar. Nenhuma estratégia de vida funcionará se não for dinâmica e expansiva. A mudança em si é neutra, visto que para cada mudança construtiva haverá uma outra destrutiva. Mas é no princípio da mudança que está a chave, pois ele ensina que seguir o fluxo da vida traz crescimento e criatividade, enquanto tentar congelar acontecimentos, lembranças, prazer e inspiração provoca estagnação. Os momento mais agradáveis e inspiradores de sua vida pedem para ser relembrados e saboreados. Você precisa resistir a essa tentação porque no instante em que tenta se agarrar à experiência ela perde a vitalidade que a tornou especial em primeiro lugar. 
Use o princípio da mudança para manter sua vida fresca e renovada. Assumir que o fluxo da vida é sempre autorrenovador irá ajudá-lo a evitar a estagnação e a ansiedade acerca do futuro. O que torna as pessoas ansiosas sobre o futuro é um medo torturante de que o melhor já passou ou de que a única oportunidade perdida terá sido decisiva. 'A pessoa que se foi' é um tema recorrente de romances fracassados e que se aplica igualmente a carreiras, projetos abandonados e aspirações empobrecidas. Mas, na realidade, 'a pessoa que se foi' representa o apego a uma ideia fixa. Todo o sucesso de uma pessoa criativa é baseado na confiança de que a inspiração é permanente. Quanto mais você cria, mais há para se criar. Em um documentário sobre um famoso maestro que completava oitenta anos de vida, o momento mais pungente foi o de seu último comentário: 'Não tenho o desejo de viver muitos anos a mais, exceto por saber que estou apenas começando a dizer tudo o que quero através de minha música.'

Reúna informações de todas as fontes. O universo é multidimensional, e quando nos referimos ao fluxo da vida, estamos nos referindo a um fluxo multidimensional. Imagine não apenas um rio caudaloso correndo para o mar, mas uma centena de pequenos riachos convergindo, misturando-se, cada um acrescentando sua contribuição única. Para extrarir o melhor da vida, você deve estar consciente de que qualquer coisa pode contribuir para isso. Inspiração vem de todas as direções, tanto de dentro quanto de fora. Você deve permanecer antenado para sentir a continuidade com que sua alma está se comunicando com você. Não é como ficar diante de uma TV a cabo mudando de canal na esperança de achar algum programa interessante. Mais propriamente, na agitação das sensações que bombardeiam o cérebro todos os dias, algumas delas foram feitas para voce - elas carregam um significado que lhe é exclusivo.
Na cultura indiana, diz-se que Deus gasta tanto tempo se escondendo quanto se revelando, o que aponta para uma verdade diária. A próxima coisa que o estimulará está adormecida até que você a acorde. O futuro é um esconderijo a que chamamos de desconhecido. Também o conhecido, que é o aqui e agora, não vem de outro lugar que não o desconhecido. O instinto que diz 'algo aguarda do outro lado' é válido. Você se encontra na linha divisória entre o desconhecido e o conhecido. Sua tarefa é buscar na escuridão a próxima coisa que faça sentido.
Algumas pessoas evitam essa tarefa repetindo o conhecido incessantemente. O que elas não percebem é que o desconhecido nunca é verdadeiramente invisível. Sua alma antecipa aquilo de que você necessita e ela deixa sinais e indícios em seu caminho. Essa é a forma sutil de orientação empregada pela alma. Ela elimina os começos inúteis, sem direção, enganosos e falsos. Se você se sintonizar com atenção, sentirá uma sensação vibrante acerca do que deveria estar fazendo - que é certo, fascinante, tentador, prazeroso, curioso, intrigante e desafiador, tudo de uma só vez. Estar aberto a esses sentimentos, o que é totalmente subjetivo, permite que você recolha os sinais deixados por sua alma. O desconhecido parece obscuro somente para aqueles que não conseguem ver seu brilho oculto."...continua

(Deepak Chopra - Reinventando o Corpo, Reanimando a Alma - Ed. Rocco Ltda., Rio de Janeiro, 2010 - p. 258/260)


terça-feira, 27 de abril de 2021

EM SUA VIDA: PARTICIPAÇÃO ÍNTIMA (2ª PARTE)

"(...) Deixe a consciência fazer o trabalho. Pessoas que seguem essa diretriz são altamente subjetivas, mas sua subjetividade não é voluntária, elas não se alteram com cada mudança de humor. Em vez disso, são autoconscientes, o que significa que sabem quando estão em posição desconfortável em uma situação e não avançam até que se sintam bem. Seus corpos enviam sinais de estresse e tensão que são levados a sério. Tais pessoas confiam em si mesmas, um estado inteiramente subjetivo, embora extremamente poderoso. Confiar em um 'eu' enraizado no ego seria insensatez, mas quando você verdadeiramente sabe quem é, pode confiar em si mesmo no nível da alma. Nesse nível, a consciência não é meramente subjetiva. Ela flui através do universo, da alma da mente e do corpo. Deixar a consciência fazer o trabalho significa render-se a um princípio organizador mais amplo que você, amplo o suficiente para manter toda a realidade concentrada. 

Não interfira no fluxo. Existe uma profunda doutrina budista que fala de um grande rio que flui por toda a realidade. Uma vez que você encontra a si próprio, deixa de haver motivo para ação. O rio pega e o arrasta para todo o sempre. Em outras palavras, o esforço pessoal, o tipo de esforço a que todos nós estamos acostumados na vida cotidiana, torna-se sem sentido depois de um certo ponto. Aí se inclui o esforço mental. Uma vez autoconsciente, você percebe que o fluxo da vida não precisa de análise ou controle, porque tudo é você. O grande rio apenas parece pegá-lo. Na verdade, foi você que pegou a si próprio - não como uma pessoa isolada, mas como um fenômeno do cosmos. Ninguém lhe deu a função de dirigir o rio. Você pode apreciar o passeio e observar a paisagem.
Aprender a evitar suas falsas responsabilidades significa desistir de seu impulso para controlar, defender, proteger e prevenir-se contra riscos. Tudo isso é falsa responsabilidade. À medida que abre mão, você para de interferir no fluxo. À medida que você se agarra, a vida continuará a lhe trazer ainda mais coisas para controlar e se defender. Riscos aparecerão por toda parte. A questão não é que o destino esteja contra você. Você está simplesmente testemunhando reflexos de suas convicções mais profundas, à medida que a consciência desdobra, o drama preparado antecipadamente em sua cabeça. É a tarefa do universo desdobrar a realidade; a sua é de apenas plantar a semente.

Enxergue a todos como uma extensão de você. Quando alguém entra no caminho espiritual, geralmente se sente mal compreendido. A acusação (quando não é pelas costas) é de que ficam centrados em si mesmos. A insinuação é 'você não é o centro do universo'. Se esse 'você' representar o ego isolado, então é totalmente verdade. Mas no nível da alma, o eu muda. Perdendo seus limites, ele se mescla ao fluxo da vida. No caminho espiritual, você passa a sentir o fluxo e desejosamente integrar-se nele. Depois então - e somente depois - todos se tornarão um extensão de você. Como pode saber que chegou a esse ponto? Em primeiro lugar, você não tem inimigos. Em segundo, sente a dor de uma outra pessoa como se fosse sua. Em terceiro, descobre que uma empatia comum une a todos. 
À medida que essas três verdades despontam, é sinal de que a realidade está mudando. Você está reivindicando seu novo lar na paisagem infinita do espírito. Mas antes mesmo que isso se realiza, você está conectado com todas as demais pessoas. Nada o impede de viver essa verdade. Sempre haverá diferenças de personalidade. O que muda é o interesse próprio. Em vez de ser sobre 'eu', começa a ser sobre 'nós', a consciência coletiva que une a todos. Na prática, significa buscar entendimento, consenso e reconciliação. Esses são os objetivos essenciais para quem vive no fluxo." ...continua

(Deepak Chopra - Reinventando o Corpo, Reanimando a Alma - Ed. Rocco Ltda., Rio de Janeiro, 2010 - p. 257/258)


quinta-feira, 22 de abril de 2021

EM SUA VIDA: PARTICIPAÇÃO ÍNTIMA (1ª PARTE)

"Uma vez no jogo da vida, você deve jogar para ganhar. Você deve se entregar por inteiro. Conhecer as diretrizes do plano divino lhe dá enorme vantagem sob esse aspecto. Não conhecê-las é como participar de um jogo em que as regras vão sendo reveladas uma a uma e só quando você as infringe. A vida transcorre dessa maneira para a maioria das pessoas. Elas aprendem a viver por meio de tentativa e erro. Outras recorrem a algum livro-guia de uso geral que cubra todas as contingências - A Bíblia é um desses livros, mas existem muitos outros. Na Índia, esses guias para a vida (reunidos em textos conhecidos como os Puranas) chegam a milhares de páginas, com descrições minuciosas das mais enigmáticas situações e combinações de comportamento. O certo é que ninguém jamais viveu uma vida exemplar, seguindo algum tipo de receita.

Entre não ter regra alguma e impor regras rígidas, o universo deixou espaço para diretrizes dinâmicas que impõem a mínima resistência ao livre-arbítrio. Para uma total participação, cada diretriz permite máxima realização. Realização não significa sucesso material. Significa total compreensão de como funciona a consciência. 

Seu melhor jogo
  • Deixe a consciência fazer o trabalho.
  • Não interfira no fluxo.
  • Enxergue a todos como uma extensão de você.
  • Fique alerta à mudança e use-a com sabedoria.
  • Reúna informação de todas as fontes.
  • Espere até que sua intenção fique clara. 
  • Compreenda que nada é pessoal - o universo está agindo através de você.
  • Peça por nada menos que inspiração.
  • Considere cada passo como parte do processo.
Essas táticas têm um fator em comum: estão de acordo com o plano invisível que forma a base da vida de todos. Mas em função de a participação ser voluntária, há um forte contraste entre pessoas que se alinham voluntariamente com o plano e as que não. Vamos ilustrar esse fato item por item." ...continua

(Deepak Chopra - Reinventando o Corpo, Reanimando a Alma - Ed. Rocco Ltda., Rio de Janeiro, 2010 - p. 256/257)


quinta-feira, 8 de abril de 2021

POR QUE SOU IMPORTANTE?

"No passado, a vida ficava mais fácil sabendo-se o que Deus tinha reservado. Se você souber onde se encaixar no esquema divino, as dificuldades materiais da vida se tornam secundárias. Se você não entrar na linha, seu destino será amargo, mas nem por isso estático. Não sei de nenhuma cultura em que o destino de uma pessoa tenha sido deixado à deriva. Mesmo no judaísmo, em que uma interpretação (mas não todas) nega a existência de uma pós-vida, Deus afirma que esta vida, sendo a única, deveria ser vivida do modo mais devotado possível. A virtude de viver em Deus é que sua ínfima existência não fica dotada simplesmente de um propósito mais alto, e sim do mais alto de todos, como parte da criação de Deus.

Entretanto, por maior que seja a força de se viver para Deus, a religião esteve sempre atormentada por uma séria contradição. Todas as pessoas são consideradas preciosas para Deus, mas ninguém é realmente necessário. Vidas individuais são desperdiçadas aos milhares a cada ano nas guerras. Outras incontáveis são perdidas por causa de fome, de doenças ou mal conseguem sobreviver a um índice cruel de mortalidade infantil. Poucas pessoas falam acerca dessa contradição que tem um efeito oculto. Médicos precisam anunciar estados terminais a pacientes incuráveis. A notícia chega como um choque, mas vem demonstrando que a maioria dos pacientes terminais é abnegada. A razão pela qual não querem morrer é que suas famílias precisam delas. A grande questão 'Por que estou aqui?' é deixado para outras pessoas. O mesmo ocorre com o medo dominante expresso pelo idoso, um medo que não é o de morrer ou da dor crônica e incapacitante. Antes de tudo, o que eles mais temem é se tornarem um fardo para seus filhos.

É humano compreender que todos nós precisamos uns dos outros de codependência no pior sentido: eu só existo para ter necessidades e ser necessário. Lembro-me bem no começo de minha carreira, de um paciente que ao ser informado que sofria de um câncer incurável no fígado, ou pâncras, murmurou: 'Que grande perda para o mundo quando eu me for.' Não só uma perda para a família e os amigos, mas uma perda absoluta, algo que tornaria o mundo mais pobre. Certamente, todos nós vemos a passagem de gente eminente dessa forma. E também, pela perspectiva de sua alma, você é um complemento para o mundo tão importante quanto Mahatma Gandhi ou Madre Tereza. Subtraí-lo da equação cósmica seria uma perda tão grande quanto. A seda mais refinada permanece intacta se você puxar um fio, mas o rasgo aparecerá. 

Muitas pessoas resistem à ideia de possuir um valor absoluto no universo. Inconscientemente, estão adotando um comportamento conhecido como desamparo adquirido. Um exemplo típico vem de um experimento com cães realizado na década de 1950. Dois cães foram colocados em jaulas diferente e em cada um era aplicado um choque de baixa voltagem a intervalos aleatórios. O primeiro cão tinha à disposição um interruptor em que ele podia bater com a pata para estancar o choque, em em pouco tempo aprendeu a apertar o interruptor. Como os choques eram fracos, esse cão não demonstrou nenhum efeito adverso. O segundo cão recebia os choques no mesmo momento, mas não tinha nenhum interruptor para desligá-los. Sua experiência era bem diferente. Para aquele cão, a dor era uma ocorrência aleatório fora de seu controle.

Porém, foi a segunda parte da experiência que se mostrou mais reveladora. Os dois cães foram colocados em outras jaulas onde a metade do piso dava choque e a outra metade, não. Tudo o que o cão precisava fazer no momento do choque era saltar uma divisória de madeira para a parte neutra. O primeiro cão, o que aprendera a desligar o choque, não tinha mais o interruptor. Mas também não precisou de um. Rapidamente aprendeu a saltar para o lado seguro, O segundo cão, no entanto, desistiu de início. Ele se deitou e deixou que os choques acontecessem sem esboçar nenhuma reação para se livrar deles. Isso é o desamparo adquirido em ação. Quando aplicado à vida humana, as consequências são devastadoras. Inúmeras pessoas aceitam que a dor e o sofrimento apareçam aleatoriamente na vida. Nunca estiveram no controle dos choques por que passa cada existência, e assim não buscam saída, mesmo quando surge alguma.

Saber como as coisas funcionam é importante. Caso contrário, o desamparo adquirido aos poucos vai tomando conta de nós. O primeiro cão aprendeu que a vida faz sentido: se você atinge o interruptor, a dor passa. O segundo cão aprendeu que a vida não tem sentido: não importa o que faça, a dor virá de qualquer maneira, o que significa que não há nenhum responsável, ou, se houver, ele não se importa. O cérebro de um cão pode não chegar a pensar dessa forma, mas o nosso sim. Sem um senso de objetividade, nós ficamos desamparados, visto que ou Deus não está presente ou ele não se importa com o que acontece conosco. Para escapar de nosso desamparo adquirido, precisamos adquirir um sendo de que somos importantes no esquema mais amplo das coisas."

(Deepak Chopra - Reinventado o Corpo, Reanimando a Alma - Ed. Rocco Ltda., Rio de Janeiro, 2010 - p.245/247)


quinta-feira, 1 de abril de 2021

O SIGNIFICADO DA DOR - 4a (PARTE FINAL)

"(...) Poucos têm a coragem, ainda que lentamente, de enfrentar a grande desolação que se encontra fora deles mesmos, e lá repousar, enquanto apegam-se à pessoa que representam, o 'eu' que para eles é o centro do mundo, a causa de toda a vida. Em seu anseio por um deus, eles encontram a razão da existência de um; no desejo por um corpo sensorial e um mundo para desfrutar, a causa do Universo existe para eles. Essas crenças podem estar ocultas muito abaixo da superfície e, de fato, de difícil acesso; mas a razão pela qual o ser humano se mantém em pé, está no fato de que as crenças lá se encontram. Ele é, para si mesmo, o infinito e o deus; sustenta o oceano em uma taça. Nesta ilusão ele nutre o egoísmo que torna a vida prazerosa e a dor agradável. Nesse profundo egoísmo está a causa e a fonte da existência do prazer e da dor, pois a menos que o indivíduo vacilasse entre estes dois, e incessantemente lembrasse a si mesmo, pela sensação, de que o egoísmo existe, ele o esqueceria. E, nesse fato, está toda a resposta à pergunta: 'Por que o homem cria dor para seu próprio desconforto?'

O fato estranho e misterioso permanece, até então, inexplicável; ao se iludir, o ser humano meramente interpreta a Natureza ao contrário e atribui a significação da vida às palavras de morte. Para aquele indivíduo que realmente segura o infinito dentro de si, e que o oceano realmente está na taça, é uma verdade incontestável; mas unicamente é assim, porque a taça é absolutamente inexistente. É meramente uma experiência do infinito, impermanente, sujeita a ser destroçada a qualquer instante.

É na reivindicação da realidade e da permanência dos quatro muros de sua personalidade que o ser humano comete o grande erro, mergulhando numa série prolongada de incidentes infelizes e intensificando continuamente a existência de suas formas favoritas de sensação. Prazer e dor se tornam para ele mais reais do que o grande oceano do qual ele faz parte e onde encontra seu lar; perpétua e dolorosamente bate contra esse muros, nos quais sente, e seu eu mesquinho oscila dentro de sua prisão escolhida." 

(Mabel Collins - Através dos Portais de Ouro - Ed. Teosófica, Brasília, 2019 - p. 102/104)
www.editorateosofica.com.br 


terça-feira, 30 de março de 2021

O SIGNIFICADO DA DOR - 4

"Uma lição definida aprendida por todos aqueles que sofrem intensamente será de grande utilidade para a nossa consideração. Na dor intensa atinge-se um ponto em que ela é indistinguível do seu oposto, o prazer. Isso é verdade, porém, poucos têm o heroísmo ou a força para sofrer até um grau tão extraordinário. É tão difícil alcançá-lo como é pelo outro caminho. Apenas uns poucos eleitos têm a gigantesca capacidade para o prazer, que lhes permitirá viajar para o seu oposto. A maioria somente tem força suficiente para desfrutar e se tornar escrava do prazer. No entanto, o indivíduo tem indubitavelmente dentro de si o heroísmo necessário para a grande jornada; porém, como é que os mártires sorriram em meio à tortura? Como é que o pecador profundo que vive por prazer pode, finalmente, sentir em si mesmo a inspiração divina?

Em ambos os casos, tem surgido a possibilidade de encontrar o caminho; mas muitas vezes essa possibilidade é eliminada pelo desequilíbrio da natureza sobressaltada. O mártir adquiriu uma paixão pela dor e vive com a ideia de um sofrimento heroico; o pecador se torna cego pela ideia da virtude e a adora como um fim, como um objeto, uma coisa divina em si mesma; visto que somente pode ser divina como uma parte desse todo infinito que inclui tanto o vício quanto a virtude. 

Como é possível dividir o infinito - aquilo que é um? É tão razoável conceder divindade a qualquer objeto, como tomar uma taça de água do oceano e declarar que nela está contido o oceano. Você não pode separá-lo; a água salgada faz parte do imenso mar e assim deve ser; mas mesmo assim você não segura o mar na sua mão. Os seres humanos desejam tão ansiosamente o poder pessoal, que estão prontos para colocar o infinito em uma taça, a ideia divina em uma fórmula - imaginando possuí-la. Estes são apenas aqueles que não podem se levantar e se aproximar dos Portais de Ouro, pois o grande sopro da vida os confunde; são golpeados pelo horror ao descobrir quão enormes são esses Portais. O adorador de um ídolo mantém, em seu coração, a imagem de seu ídolo e sempre queima uma vela diante do mesmo. É o seu ídolo e se compraz com esse pensamento, embora se incline reverentemente diante dele. Quantos seres humanos virtuosos e religiosos não se encontram nesse mesmo estado? Nos recessos da alma, a lâmpada está queimando diante de um deus doméstico - uma coisa possuída por seu adorador e sujeita a ele. Os indivíduos se apegam com desesperada tenacidade a estes dogmas, a estas leis morais, a estes princípios e modos de fé, que são seus deuses domésticos, seus ídolos pessoais. Peça-lhes que queimem a chama incessante em reverência apenas ao infinito, e eles se afastam de você. Seja qual for a maneira como eles desprezam o seu protesto, dentro deles mesmos deixam uma sensação de doloroso vazio. Pois a nobre alma dos seres humanos, aquele poderoso rei que está dentro de todos nós, sabe perfeitamente bem que esse ídolo doméstico pode, em qualquer momento, ser derrubado e destruído - que em si mesmo carece de toda finalidade, sem nenhuma vida real e absoluta. E ele se contentou em possuí-lo, esquecendo-se de que tudo que é possuído só pode ser mantido, temporariamente, pelas leis imutáveis da vida. Ele esqueceu que o infinito é seu único amigo; esqueceu que em sua glória está seu único lar - que somente ele pode ser seus deus. Lá ele se sente como se fosse desamparado; mas, entre os sacrifícios que oferece ao seu próprio e especial ídolo, ele encontra um breve local de descanso; e por isso se apega apaixonadamente ao ídolo. (...)" continua...

(Mabel Collins - Através dos Portais de Ouro - Ed. Teosófica, Brasília, 2019 - p. 99/102)
www.editorateosofica.com.br 


quinta-feira, 25 de março de 2021

O SIGNIFICADO DA DOR - 3

"A primeira coisa que é necessária a ser realizada pela alma humana, a fim de envolver-se neste grande esforço de descobrir a verdadeira vida, é o mesmo realizado pela criança em seu primeiro desejo de atividade no corpo - ela deve ser capaz de ficar de pé. É claro que o poder de manter-se firme, do equilíbrio, da concentração, da retidão na alma são qualidades de um caráter forte. A palavra que se apresenta mais prontamente como descritida dessas qualidades é 'confiança'.

Permanecer imóvel em meio à vida e às suas mudanças, firme no lugar escolhido, é uma façanha que só pode ser realizada por aquele que confia em si mesmo e em seu destino. Caso contrário, as apressadas formas de vida, a maré apressada dos indivíduos, as grandes inundações de pensamento, inevitavelmente os levarão consigo, e então ele perderá aquele lugar de consciência de onde era possível iniciar o grande empreendimento. Este ato do indivíduo recém-nascido deve ser levado a cabo conscientemente, e sem pressão externa. Todos os grandes da Terra possuíram essa confiança e permaneceram firmemente naquele lugar que para eles era o único ponto sólido no Universo. Para cada indivíduo este lugar é necessariamente diferente. Cada um deve encontrar sua própria terra e seu próprio céu. 

Temos o desejo instintivo de aliviar a dor, mas para isso, como em tudo o mais, trabalhamos externamente. Nós simplesmente a aliviamos; e se fizermos mais, e a expulsarmos da primeira fortaleza escolhida, ela reaparecerá em algum outro lugar com vigor reforçado. Se for finalmente expulsa do Plano Físico por um esforço persistente e bem-sucedido, reaparece nos Planos Mentais ou Emocionais, onde nenhum indivíduo pode tocá-la. Que isto é assim é facilmente visto por aqueles que conectam os vários planos da sensação, e que observam a vida com aquela iluminação adicional. Os seres humanos geralmente consideram essas diferentes formas de sentimento como realmente separadas, ao passo que, na verdade, elas são evidentemente apenas lados diferentes de um centro - o ponto da personalidade. Se aquilo que brota no centro, a fonte da vida, exige alguma ação impeditiva, e consequentemente causa dor, a força assim gerada, sendo expulsa de uma fortaleza deve encontrar outra; não pode ser expulsa. E todas as combinações da vida humana que causam emoção e angústia existem para seu uso e propósitos, da mesma forma aquelas que geram prazer. Ambas têm seu lar no ser humano; ambas exigem sua expressão de direito. O maravilhoso e delicado mecanisno da estrutura humana. é construído para responder ao seu mais leve toque; as extraordinárias complexidades das relações humanas evoluem, por assim dizer, para a satisfação desses dois grandes opostos da alma.

A dor e o prazer estão distantes e separados, assim como ambos os sexos; e é na fusão, tornando os dois em um, que a alegria, a profunda sensação e a paz são obtidas. Onde não há nem macho nem fêmea, nem dor nem prazer, há o deus no indivíduo dominante, e assim é a vida real.

Assim, afirmar esta questão pode ter muito das características do dogmático que pronuncia suas afirmações a partir de um púlpito seguro, sem contradições; porém, é unicamente dogmatismo, como é dogmatismo o registro do esforço de um cientista em uma nova direção. A menos que se possa provar que a existência dos Portais de Ouro é real, e não mera fantasmagoria de visionários fantasiosos, então não vale a pena falar sobre eles. No Século XIX, fatos concretos ou argumentos legítimos só apelam para a mente dos seres humanos; e tanto melhor. Pois, a menos que a vida em que avançamos seja cada vez mais real e efetiva, é inútil o tempo desperdiçado em ir atrás dela. A realidade é a maior necessidade do ser humano, e ele a exige a qualquer custo, a qualquer preço. Então que seja. Ninguém duvida que ele tenha razão. Deixe-nos assim irmos em busca da realidade."

(Mabel Collins - Através dos Portais de Ouro - Ed. Teosófica, Brasília, 2019 - p. 95/98)


terça-feira, 23 de março de 2021

O SIGNIFICADO DA DOR - 2c

"(...) Não podemos encontrar nenhum ponto da escala do ser em que a causação da alma cesse ou possa cessar. A ostra vagarosa deve ter em si mesma aquilo que a faz escolher a vida inativa que leva; ninguém mais pode escolher por ela, mas somente a alma por detrás, o que ela se tornará. De que outra forma ela pode, de algum modo, ser ou estar onde está? Somente pela intervenção de um criador impossível, chamado por um ou outro nome.

É porque o indivíduo é tão ocioso, tão indisposto a assumir ou aceitar a responsabilidade, que ele recorre a um paliativo temporário de um criador. É de fato temporário, pois só dura durante a atividade do poder de um cérebro pessoal que encontra seu lugar entre nós.

Quando o indivíduo deixa essa vida mental para trás, ele necessariamente parte com sua lanterna mágica e as ilusões agradáveis que ele invocou através de sua própria ajuda. Esse movimento deve ser bastante desconfortável, e deve produzir uma sensação de nudez não corrompida por nenhuma outra sensação. Recusando-se a aceitar fantasmas irreais como sendo de carne, osso e poder, ele, aparentemente, também se salva dessa experiência desagradável.

O ser humano gosta de empurrar a responsabilidade não apenas de sua capacidade de pecar e da possibilidade de sua salvação, mas de sua própria vida, sua própria consciência, sobre os ombros do Criador. Ele se contenta com um pobre Criador - aquele que se satisfaz com um universo de fantoches, e diverte-se ao puxar suas cordas. Se ele é capaz de tal prazer, deve estar ainda em sua infância. Talvez seja assim, afinal de contas do Deus dentro de nós está em sua infância, e recusa-se a reconhecer seu elevado estado.

Se, de fato, a alma do ser humano está sujeita às leis do crescimento, da decadência e do renascimento de seu corpo, então não é de admirar sua cegueira. Evidentemente, isso não é assim; pois a alma do ser humano é daquela ordem da vida que origina estrutura e forma, não sendo afetada por tais coisas - daquela ordem da vida que, como a chama pura e abstrata, queima onde for acesa. Isso não é afetado ou alterado pelo tempo, e o crescimento e a decadência são de sua natureza superior. Permanece naquele lugar primitivo, que é o único trono de Deus; aquele lugar de onde emergem as formas de vida e para onde elas retornam. Esse lugar é o ponto central da existência, onde há um ponto permanente de vida, como existe no centro do coração humano. Por meio do desenvolvimento igual - primeiro pelo reconhecimento do mesmo e, então, por seu harmônico desenvolvimento sobre as muitas linhas radiantes da experiência - que o homem é finalmente habilitado a alcançar o Portal de Ouro e erguer o trinco. O processo é o reconhecimento gradual do deus em si mesmo; a meta é alcançada quanto essa divindade é conscientemente restaurada à sua justa glória." 

(Mabel Collins - Através dos Portais de Ouro - Ed. Teosófica, Brasília, 2019 - p. 92/94)


quinta-feira, 18 de março de 2021

O SIGNIFICADO DA DOR - 2b

"(...) O indivíduo do mundo, puro e simples, é de longe o melhor observador prático e filosófico a respeito da vida, porque não está cego pelos preconceitos. Sempre o encontraremos acreditando que colherá aquilo que semeia. E isso é tão evidentemente verdadeiro, que ao ser considerado com uma visão mais ampla, incluindo toda a vida humana, torna compreensível o horrível Nêmesis⁵, que parece perseguir, conscientemente, a raça humana - essa inexorável aparência de dor no meio do prazer.

Os grandes poetas gregos viram essa aparição tão claramente que o registro de suas observações deu a ideia, a nós, observadores mais jovens e mais cegos, desse fato. É improvável que uma raça tão materialista como a que cresceu no Ocidente tenha descoberto por si mesma a existência dessa fator terrível na vida humana, sem a assistência dos poetas mais antigos - os poetas do passado. A propósito, podemos notar nisso um valor distinto do estudo dos clássicos - que grandes ideias e fatos sobre a vida humana, que são inseridos em suas poesias, pelos antiquíssimos anciões, não serão absolutamente perdidos, como acontece em suas artes. 

Sem dúvida o mundo florescerá novamente, e pensamentos mais amplos e descobertas mais profundas do que as do passado serão a glória dos seres humanos que surgirão no futuro; mas até esse longínquo dia chegar, os tesouros deixados não foram demasiadamente valorizados.

Há um aspecto da questão que, à primeira vista, parece positivamente negativo quanto a este modo de pensar; é o sofrimento no corpo físico, aparentemente puro, dos seres ignorantes, das crianças pequenas e dos animais - e a necessidade desesperada do poder, que advém de qualquer tipo de conhecimento, para ajudá-los em seus sofrimentos.

A dificuldade que surge na mente com relação a isso vem da ideia insustentável da separação da alma do corpo. Supõem-se que todos aqueles que olham apenas para a vida material (especialmente os médicos) que o corpo e o cérebro são pares, que convivem lado a lado, e reagem um sobre o outro. Além disso, eles não reconhecem e não admitem nenhuma causa. Esquecem que tanto o cérebro quanto o corpo são evidentemente meros mecanismos, assim como a mão ou o pé. Há o ser interno - a alma - por detrás, usando todos esses mecanismos; e isso é, evidentemente, a verdade, conhecida por todos nós, em relação a todas as existências e também no que diz respeito ao próprio indivíduo. (...)" continua...

⁵. Na mitologia grega, deusa da vingança e da justiça distributiva. (N.E.)

(Mabel Collins - Através dos Portais de Ouro - Ed. Teosófica, Brasília, 2019 - p. 89/92)


terça-feira, 16 de março de 2021

O SIGNIFICADO DA DOR - 2a

"(...) Se a dor é o resultado de um desenvolvimento desigual, de crescimentos monstruosos, de avanços defeituosos em diferentes pontos, por que o ser humano não aprende a lição e esforça-se para desenvolver-se por igual?

Parece-me que a resposta a essa pergunta seria que esta é a verdadeira lição que a raça humana está empenhada em aprender. Talvez isso seja uma afirmação ousada demais a ser feita diante do pensamento comum, que considera o ser humano como criatura do acaso que vive no caos ou como uma alma ligada à inexorável roda da carruagem de um tirano, lançada ao céu ou precipitada no inferno. Mas tal modo de pensar é, afinal de contas, o mesmo que o da criança que considera seus pais os árbitros finais de seus destinos e, de fato, como os deuses ou demônios de seu universo. À medida que cresce, ela deixa de lado essa ideia, descobrindo que é simplesmente uma questão de amadurecimento, que é governante da sua própria vida, como qualquer outro.

Assim é com relação à raça humana. Ela é a governante do mundo, árbitro de seu próprio destino, e não há quem disso discorde. Aquele que fala de providência ou casualidade não se deu ao trabalho de pensar.

O destino, o inevitável, existe na verdade, tanto para a raça como para o indivíduo; mas quem pode declarar isso, senão ele mesmo? Não há nenhuma nuvem no céu ou na terra para a existência de qualquer mandante que não seja o próprio ser humano, que sofre ou desfruta daquilo que ele mesmo ordena. Sabemos tão pouco de nossa própria constituição, somos tão ignorantes de nossas funções divinas que nos é impossível, ainda, saber o quanto somos realmente o próprio destino. Mas sabemos disso pelos eventos - que até onde qualquer percepção alcance, nanhuma dica ainda foi descoberta sobre a existência de um mandante; enquanto que, se concedermos muito pouca atenção à nossa própria vida, a fim de observar a ação do indivíduo em seu futuro, logo percebemos, em operação, esse poder como uma força real. É visível, embora nosso alcance de visão seja muito limitado. (...)" continua...

(Mabel Collins - Através dos Portais de Ouro - Ed. Teosófica, Brasília, 2019 - p. 87/89)


terça-feira, 9 de março de 2021

O SIGNIFICADO DA DOR

"Lance um olhar para o âmago profundo da vida. De onde vem a dor que obscurece a existência dos seres humanos? Ela está sempre no limiar, e atrás dela encontra-se o desespero. 

O que são essas duas figuras esqueléticas e por que lhes é permitido serem nossas companheiras constantes?

Somos nós que as permitimos, nós que as ordenamos, quando permitimos e ordenamos a ação dos nossos corpos; e fazemos isso inconscientemente. Mas, por meio de experimentos e investigações científicas, aprendemos muito sobre nossa vida física; e parece que podemos obter, pelo menos, igual resultado em relação à nossa vida interior, adotando métodos semelhantes.

A dor desperta, suaviza, quebra e destrói. Considerada de um ponto de vista suficientemente distante, ela surge, por sua vez, como um remédio, uma faca, uma arma, um veneno. Evidentemente, é um instrumento, uma coisa que é usada. O que desejamos descobrir é quem é o usuário; qual parte de nós que exige a presença dessa coisa tão odiosa para o restante? 

O medicamento é usado pelo médico, o bisturi pelo cirurgião; mas a arma da destruição é usada pelo inimigo, por aquele que odeia.

Será que apenas usamos meios, ou desejamos usá-los para o benefício de nossas almas, como também travamos guerra dentro de nós e combatemos no santuário interno? Aparentemente é assim, pois é certo que, se a vontade humana descontraísse em relação a essa batalha, não manteria mais a vida no estado em que a dor existe. Por que ele deseja sua própria dor?

A primeira vista, parece que ele deseja principalmente o prazer, e assim está disposto a continuar naquele campo de batalha, onde trava guerra com a dor, esperando sempre que o prazer conquiste a vitória e a leve para casa. Esse é apenas o aspecto externo do estado em que se encontra o ser humano.

Ele sabe, por si mesmo, que a dor é codirigente com o prazer e que, embora sempre se trave a guerra, ela nunca vencerá. O observador superficial conclui que o indivíduo se submete ao inevitável. Mas isso é uma falácia, indigno de discussão. Pensando um pouco mais seriamente, veremos que o indivíduo não existe, exceto pelo exercício de suas qualidades positivas; logicamente, supõe-se que ele escolhe, pelo exercício dessas mesmas qualidades, o estado em que viverá.

Admitido, então, devido ao nosso argumento, que o ser humano deseja a dor, porque ele deseja algo tão desagradável para si mesmo?" continua...

(Mabel Collins - Através dos Portais de Ouro - Ed. Teosófica, Brasília, 2019 - p. 81/84)


quinta-feira, 4 de março de 2021

A AMOROSIDADE DE UM 'NÃO' (PARTE FINAL)

"(...) O ego geralmente busca a 'gratificação instantânea', enquanto a mente superior, com sabedoria e equilíbrio, leva em consideração não só os benefícios de curto prazo, mas também as consequências em longo prazo de todas as nossas ações, palavras e pensamentos. Com isso, o verdadeiro amor/sabedoria de nosso Ser Interior, ciente das futuras consequências negativas da ação proposta, como procura fazer o bem ao próximo, deverá expressar esse amor com um 'não' à solicitação que foi feita. É óbvio que o 'não' amoroso deve ser expresso sem raiva ou agressividade, mas sim de forma suave e paciente, porém firme, explicando a razão da negativa.

Essa questão é particularmente importante para os pais que, desde cedo na vida dos filhos, verificam todos os dias que os filhos seguidamente solicitam coisas ou desejam fazer algo que implica em perigo para as crianças. Como os pais amam seus filhos, obviamente precisam dizer NÃO para essas exigências. Sabemos, porém, que as crianças podem ser geniosas e insistentes na tentativa de conseguir o que desejam. Choro, manha, birra e até mesmo atos de rebeldia são empregados na tentativa de manipular os pais e fazê-los ceder. Alguns pais acabam cedendo à pressão e manipulação dos filhos. Esse é um clássico exemplo de DESAMOR AOS FILHOS. Estão ensinando a eles que tudo pode ser obtido com suficiente pressão ou manipulação. Os filhos rapidamente aprendem essa lição e crescem com esse hábito. O resultado é que, mais cedo ou mais tarde, vão entrar em conflito com as figuras de autoridade que encontrarem pela frente, sejam elas seus professores, chefes ou autoridades civis ou policiais. Vale lembrar que os principais condicionamentos e traços da personalidade são formados nos primeiros sete anos de vida da criança.

A estrutura familiar de muitos casais, em que tanto o pai como a mãe trabalham fora e têm pouco tempo à noite para dedicar aos filhos, faz com que estes sintam necessidade de atenção e procurem obtê-la dos pais por todos os meios, inclusive da rebeldia, já que acreditam que com bom comportamento e carinho não estão conseguindo a atenção que desejam. Os pais, sentindo-se culpados por não dar aos filhos a atenção que gostariam, acabam cedendo às impertinências deles, procurando reparar seus sentimentos de culpa dando demasiados presentes caros como um meio de compensá-los pelo pouco tempo que lhes dedicam. Além disso, sentem que não devem insistir na disciplina com os deveres escolares, as tarefas domésticas e o comportamento familiar e social, para não afastar mais ainda seus filhos.

O resultado desta falta de disciplina com os filhos será para eles um processo de “deseducação”. Eles não estarão preparados para interagir de forma construtiva com as pessoas na sociedade. Isso será visto bem cedo. Inicialmente na forma de um comportamento agressivo, mostrando rebeldia com toda figura de autoridade, com uma atitude de egoísmo com seus colegas de escola e amigos. As reclamações vão aparecer, mas os pais, já devidamente 'treinados' pelos filhos, vão defender seus rebentos e aceitar a versão deles. Na adolescência os desvios comportamentais provavelmente serão mais dramáticos. Os pais só vão dar conta da extensão do problema quando forem chamados pela polícia ou pelo hospital para serem notificados das ocorrências envolvendo seus filhos.

Mais tarde vão verificar que os filhos têm dificuldade de manter um emprego, pois não aceitam autoridade e não conseguem manter uma rotina de disciplina. Quem sabe se os jovens conseguirão despertar para as regras de bom convívio na sociedade quando conhecerem uma pessoa que faça seu coração “derreter”. O amor tudo pode, e um verdadeiro relacionamento amoroso pode mudar uma pessoa.

Até mesmo para a vida espiritual, a disciplina é absolutamente indispensável. Só é possível meditar com a disciplina da mente, dos horários, das sequências das práticas, etc. Os budistas apresentam a disciplina (shīla) como a segunda grande virtude que precisa ser desenvolvida na vida espiritual. Na seção sobre a Auto-Observação, será apresentada uma das práticas mais efetivas para nossa mudança interior: a sistemática auto-observação ao longo do dia. Será visto que devemos observar todas as nossas reações às situações que enfrentamos na vida diária, pois essas situações são colheitas kármicas. A pessoa mimada ao longo da infância terá grande dificuldade para aceitar os 'espinhos' de suas colheitas kármicas. Podem até tentar manipular a Deus ou os Senhores do Karma, com suas óbvias frustrações. No capítulo sobre a purificação, será dito que a verdadeira purificação não é do corpo, mas sim da mente. Ela envolve dizer 'não' às exigências do ego, que não são poucas. Aprender a dizer e a ouvir 'não' é imprescindível, tanto para a vida mundana como para a espiritual."

(Raul Branco - A Essência da Vida Espiritual - Ed. Teosófica, Brasília, 2018 - p. 74/76)


quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

MORTE

"O nosso nascimento também dá origem aos sofrimentos da morte. Se, durante a nossa vida, tivermos trabalhado arduamente para adquirir posses, e se tivermos nos tornado muito apegados a elas, experienciaremos grande sofrimento na hora da morte, pensando: 'Agora, tenho de deixar todas as minhas preciosas posses para trás'. Mesmo agora, achamos difícil emprestar algum dos nossos mais preciosos bens, quanto mais dá-lo! Não é de surpreender que fiquemos tão infelizes quando nos damos conta de que, nas mãos da morte, temos de abandonar tudo. 

Quando morremos, temos de nos separar até mesmo dos nossos amigos mais próximos.Temos de deixar nosso companheiro ainda que tenhamos estado juntos durante anos, sem passar sequer um dia separados. Se formos muito apegados aos nossos amigos, experienciaremos grande sofrimento na hora da morte, mas tudo o que poderemos fazer será segurar suas mãos. Não seremos capazes de parar o processo da morte, mesmo se eles implorarem para que não morramos. Geralmente, quando somos muito apegados a alguém, sentimos ciúme caso ele (ou ela) nos deixe sozinhos e passe o seu tempo com outra pessoa; mas, quando morrermos, teremos de deixar nossos amigos com os outros para sempre. Teremos de deixar todos, incluindo nossa família e todas as pessoas que nos ajudaram nesta vida. 

Quando morrermos, este corpo que temos apreciado e cuidado de tantas e variadas maneiras terá de ser deixado para trás. Ele irá se tornar insensível como uma pedra e será sepultado sob a terra ou cremado. Se não tivermos a proteção interior da experiência espiritual, na hora da morte experienciaremos medo e angústia, assim como dor física. 

Quando a nossa consciência deixar nosso corpo na hora da morte, todas as potencialidades que acumulamos em nossa mente, por meio das ações virtuosas e não virtuosas que fizemos, irão conosco. Não poderemos levar nada deste mundo além disso. Todas as outras coisas irão nos decepcionar. A morte interrompe todas as nossas atividades – as nossas conversas, a nossa refeição, o nosso encontro com amigos, o nosso sono. Tudo chega ao fim no dia da nossa morte e temos de deixar todas as coisas para trás, até mesmo os anéis em nossos dedos. No Tibete, os mendigos carregam consigo um bastão para se defenderem dos cachorros. Para compreender a completa privação provocada pela morte devemos lembrar de que, na hora da morte, os mendigos têm de deixar até esse velho bastão, a mais insignificante das posses humanas. Ao redor do mundo, podemos ver que os nomes esculpidos em pedra são a única posse dos mortos."

(Geshe Kelsang Gyatso - Budismo Moderno - Ed. Tharpa Brasil, 3ª edição, 2015 - p. 53/54)


terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

O QUE A NOSSA MORTE SIGNIFICA?

"A nossa morte é a separação permanente entre o nosso corpo e a nossa mente. Podemos experienciar muitas separações temporárias do nosso corpo e mente, mas elas não são a nossa morte. Por exemplo, quando aqueles que concluíram seu treino na prática conhecida como 'transferência de consciência' entram em meditação, a mente deles se separa do corpo. O corpo desses meditadores permanece onde estão meditando, mas a mente vai para uma Terra Pura e, então, retorna para o corpo deles. À noite, durante os sonhos, nosso corpo permanece na cama, mas a nossa mente vai para diversos lugares do mundo do sonho e, então, retorna para o nosso corpo. Essas separações de nosso corpo e mente não são a nossa morte, porque essas separações são apenas temporárias. 

Na morte, nossa mente separa-se permanentemente do nosso corpo. O nosso corpo permanece no local de sua vida, mas a nossa mente vai para os diversos lugares das nossas vidas futuras, como um pássaro deixando um ninho e voando para outro. Isso mostra claramente a existência das nossas incontáveis vidas futuras e que a natureza e a função do nosso corpo e da nossa mente são muito diferentes. Nosso corpo é uma forma visual que possui cor e formato, mas nossa mente é um continuum sem forma que sempre carece de cor e formato. A natureza da nossa mente é um vazio semelhante ao espaço, e ela atua percebendo ou entendendo objetos – essa é a sua função. Por meio disso, podemos compreender que o nosso cérebro não é a nossa mente. O cérebro é simplesmente uma parte do nosso corpo que, por exemplo, pode ser fotografado, ao passo que não podemos fazer o mesmo com a nossa mente. 

Podemos não ficar felizes ao ouvir sobre a nossa morte, mas contemplar e meditar sobre a morte é muito importante para a efetividade da nossa prática de Dharma. O motivo é que contemplar e meditar sobre a morte impede o principal obstáculo à nossa prática de Dharma – a preguiça do apego às coisas desta vida – e nos encoraja a praticar o puro Dharma agora. Se fizermos isso, realizaremos o verdadeiro sentido da vida humana antes da nossa morte." 

(Geshe Kelsang Gyatso - Budismo Moderno - Ed. Tharpa Brasil, 3ª edição, 2015 - p. 32/33


quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

O QUE É A MENTE?

"Embora falemos com frequência sobre a nossa mente, se alguém nos perguntasse 'o que é a mente?', não teríamos uma resposta clara. Algumas pessoas dizem que o nosso cérebro é a mente, mas isso é incorreto. O cérebro não pode ser a mente, porque o cérebro é, apenas, uma parte do corpo – podemos ver o cérebro diretamente com os nossos olhos e podemos, até mesmo, fotografá-lo. Porém, a mente não é uma parte do corpo – ela não pode ser vista com os nossos olhos e não pode ser fotografada. Portanto, fica claro que o cérebro não é a mente. É apenas nos ensinamentos de Buda que podemos encontrar uma resposta clara para a pergunta: 'o que é a mente?'. 

Buda deu explicações claras e detalhadas sobre a mente, que podemos ler a seguir. A mente é algo cuja natureza é vazia, semelhante ao espaço; a mente nunca teve características físicas, formato ou cor; e a mente atua percebendo e compreendendo objetos – essa é a sua função. A mente tem três níveis diferentes: denso, sutil e muito sutil. Durante nossos sonhos, temos uma consciência onírica, por meio da qual vários tipos de coisas sonhadas aparecem para nós. Essa consciência é uma mente sutil, porque é difícil de ser identificada, ou reconhecida. Durante o sono profundo, temos apenas consciência mental, que percebe vacuidade, unicamente. Essa consciência é denominada 'clara luz do sono' e é a mente muito sutil, o que significa que essa mente é extremamente difícil de ser identificada, ou reconhecida.

Durante o período em que estamos acordados, temos uma consciência do estado acordado (ou da vigília); por meio dela, vários tipos de coisas do estado da vigília aparecem para nós. Essa consciência é a mente densa, o que significa que ela não é difícil de ser identificada. Quando dormimos, nossa mente densa (a consciência do estado da vigília) dissolve-se em nossa mente sutil do sono. Ao mesmo tempo, todas as nossas aparências do mundo do estado acordado tornam-se não existentes; e, quando experienciamos o sono profundo, nossa mente sutil do sono dissolve-se em nossa mente muito sutil do sono: a clara luz do sono. Nessa etapa, ficamos parecidos com uma pessoa que morreu. Então, porque nossa conexão cármica com esta vida é mantida, nossa mente densa (a consciência do estado da vigília) surge novamente a partir da clara luz do sono, e as várias coisas do estado da vigília aparecem de novo para nós.

O processo de dormir é muito parecido com o processo de morrer. A diferença entre eles é que, quando estamos morrendo, nossas mentes densa e sutil se dissolvem na nossa mente muito sutil da morte, conhecida como 'a clara-luz da morte'. Depois, porque nossa conexão cármica com esta vida chegou ao fim, nossa mente muito sutil deixa este corpo, vai para a próxima vida e ingressa em um novo corpo; então, todos os diversos tipos de coisas da próxima vida irão aparecer para nós. Tudo será totalmente novo. 

Com essa explicação sobre a mente podemos compreender, de modo bastante claro, a existência de nossas vidas futuras, de maneira que podemos preparar, a partir de agora, a felicidade e a liberdade de nossas incontáveis vidas futuras por meio de praticarmos os ensinamentos de Buda – o Dharma. Não há nada mais significativo do que isso. Nossa vida atual é apenas uma única vida, mas nossas vidas futuras são incontáveis. Portanto, não há dúvida de que as vidas futuras são mais importantes que esta vida."

(Geshe Kelsang Gyatso - Budismo Moderno - Ed. Tharpa Brasil, 3ª edição, 2015 - p. 10/12


quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

O QUE É RETA AÇÃO?


"Os budistas, de um ponto de vista puramente técnico, não podem pertencer a nenhum exército. O exército é liderado por pessoas com seus próprios motivos para criar uma guerra ou para produzir tensão. Os oficiais, soldados e quem quer que esteja preso nisso faz o que lhe é ordenado, sem questionar os objetivos. Por isso, uma pessoa que quer viver a vida espiritual, ou um correto tipo de vida, não entraria para o exército.

Muitas pessoas dirão que não é assim. O Bhagavad-Gita, por exemplo, diz: 'Continue a lutar, Arjuna.' Mas essas palavras se referem a lutar no nível físico, ou será que todo o Gita tem um significado diferente?

Milhões de pessoas estão engajadas em negócios ligados à guerra. A fabricação de armas é apenas um deles. Há mais cientistas trabalhando nesse comércio do que em propósitos pacíficos. Isso deve ser levado em consideração por todo aquele que queira trilhar o caminho espiritual: será que você quer se engajar em atividades que prejudicam os outros?

É bastante comum encontrar pessoas bebendo álcool. Isso quer dizer que muitas outras pessoas estão engajadas neste negócio, preparando a bebida e vendendo-a. Muitas coisas são produzidas sem levar em consideração o fato de que afetam a vida dos outros. Quando compramos algo de uma loja, o produto pode parecer bom, mas a história por trás de alguns produtos pode não ser boa. Animais são usados para experimentos cientifícos e para testar produtos de beleza. Será que nós somos cuidadosos a respeito daquilo que compramos? Ou compramos coisas que afetam as vidas inocentes de outras criaturas?

Os Estados Unidos cuidam para que nenhum dano seja causado aos seres humanos, mas, para garantir isso, atos horríveis são praticados contra outras criaturas vivas. Felizmente, na Inglaterra e em outros países europeus muitos experimentos com animais foram abandonados e substituídos por métodos mais humanitários. É possível descobrir se uma droga ou outro produto é útil ou não por meios que não causem danos aos animais, sem maltratar milhares de criaturas em nome do que chamamos de 'progresso'.

Se formos verdadeiros e éticos, usando nosso desenvolvimento interior, podemos compreender o que é útil e o que não é. Obviamente matar ou maltratar não são corretos meios de ganhar a vida. Mentir também não. A reta conduta não é fácil, mas um dos primeiros passos nesse caminho é jamais se envolver em más ações. Conforme Buda ensinou, quanto menos dano é causado, melhor.

A conduta está ligada à ideia do que é certo e errado. Muitas pessoas que praticam crueldades não são más, mas foram colocadas em situações em que sentem que precisam sacrificar os escrúpulos. Se o ser humano é superior às outras criaturas é uma questão importante sobre a qual cada um de nós deve ter clareza. Todas as coisas estão crescendo, e mais cedo ou mais tarde alcançarão o estágio humano.

Nossas vidas verdadeiramente afetam a vida dos outros seres. Eles também são ajudados pelo modo como nós nos comportamos. Ser mais atencioso, gentil e compassivo e menos egoísta pode produzir uma mudança em direção a uma sociedade menos brutal."

(Radha Burnier - O que é reta ação? - Revista Sophia, Ano 16, mº 73 - p. 43)


terça-feira, 19 de janeiro de 2021

A VERDADEIRA RELIGIÃO

"O sofrimento existe desde tempos imemoriais, sob a forma de pobreza, ignorância, solidão, falta de amor, etc. Haverá um estado de sabedoria na qual a humanidade possa ser feliz? Em todas as eras, pessoas profundamente religiosas inquiriram a respeito disso.

As instituições e os sistemas religiosos enfatizam rituais, formas de adoração e obediência ao clero, muitas vezes ignorando os verdadeiros valores da religião. No entanto, todo instrutor religioso genuíno foi um reformador, libertando as mentes ignorantes das práticas convencionais rígidas e inspirando-as a inquirir a respeito do mistério da vida, seu propósito e significado. 

A religião, no seu verdadeiro sentido, deve libertar as pessoas da superstição e do sofrimento, e não escravizá-las com ideias prontas e hierarquias. Ao retirar das religiões os dogmas e as supertições e atingir o âmago de seus ensinamentos, constata-se que a essência é o amor universal, baseado no conhecimento de que a vida é indivisível.

As religiões não devem ser aceitas como são apenas porque essa é a atitude mais fácil; elas devem ser examinadas criticamente para avaliarmos se criam inimizades e conflitos ou se unem as pessoas com abordagens de tolerância e boa vontade. Ajoelhar-se ou permanecer de pé para orar, cobrir ou não a cabeça são questões individuais que nada têm a ver com a verdadeira religiosidade.

O ser humano se caracteriza pelo desejo de compreender a vida. Se apenas comesse, dormisse e se multiplicasse, mal poderia ser chamado de humano, já que todas as criaturas fazem isso. A mente se estagnaria se ninguém tivesso o ímpeto de penetrar nas profundezas do significado da existência do homem e do universo. Felizmente sempre existiram corações desbravadores que buscaram a verdade, mesmo quando perseguidos e queimados na fogueira. 

Atualmente os mais graves problemas do planeta são os conflitos armados e a destruição do meio ambiente. Simultaneamente ao progresso da ciência, desenvolveu-se uma atitude de conquista, controle e exploração da natureza. A humanidade chegou ao ponto de 'brincar de Deus' para usar a frase de Jeremy Rifkin. Mas a ciência também está compreendendo que quanto mais o universo é explorado, maior se torna a dimensão desconhecida, não apenas no nível material, mas também nos campos sutis do espirito. Por trás de tudo que está manifestado e perceptível existe o intangível e o inexplicável. Grandes espíritos que experienciaram o mistério do desconhecido, como Einstein, puderam compreender a reverência que exala da mente religiosa.

Segundo os taoístas, o Tao (o Supremo) não pode ser ouvido; o que pode ser ouvido não é o Tao. O Tao não pode ser visto; o que pode ser visto não é o Tao. Os Upanishads e outras escrituras dizem o mesmo: existe uma dimensão de existência que está além do nosso alcance. Nunca vamos conhecê-la plenamente; podemos apenas fitá-la e admirar o ilimitado e vasto poder criativo da vida. 

Obviamente a mente finita não pode conhecer o infinito. Isso está indicado no Bhagavad-Gita, quando Krishna diz que não existe fim para o mistério Divino. Somente quando a mente se liberta de seu estado finito e torna-se una com a vasta harmonia da vida pode haver iluminação. Esse estado não vem quando se é um erudito nas escrituras ou se recebe um título numa instituição religiosa. Se as pessoas que seguem sistemas religiosos se tornassem verdadeiramente religiosas, incapazes de ganância, violência e egoísmo, não haveria mais guerras.

Outro grande problema atual é o consumismo e a insensibilidade em relação ao valor e à dignidade dos seres vivos. É necessário um profundo respeito por cada forma de vida para reverter a maré de consumismo que destrói os recursos e a diversidade do planeta.

É essencial que nossos valores mudem, mas não em razão do que uma sociedade ou um sistema religoso diz. Os valores surgem a partir do sentimento de uma existência una e inter-relacionada, que faz nascer a gentileza e a não violência. Se nós não conseguimos amar o pequeno animal, o pássaro, o peixe ou a planta, como podemos amar a Deus, que é a fonte de toda a vida?

Temos que aprender a ser como criancinhas que experimentam maravilhas, cujas mentes não têm preconceitos e que não sabem o que é ser possessivo. Esse é o verdadeiro despertar religioso, que envolve abrir mão dos próprios interesses por amor aos outros, sem preconceitos, de modo que a mente seja ampla, tolerante e sensível."

(Radha Burnier - A verdadeira religião - Revista Sophia, Ano 12, nº 50 - p.20/21)


quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

O ESPÍRITO DO GUERREIRO

"Embora tenhamos sido levados a acreditar que se abrirmos mão acabaremos sem nada, a própria vida revela seguidamente o contrário: o desapego é a senda para a verdadeira liberdade. 

Exatamente como os rochedos da orla do mar que açoitados pelas ondas não sofrem dano mas são esculpidos e erodidos em belas formas, nossas personalidades podem ser modeladas e nossas arestas mais rudes atenuadas por mudanças. Podemos aprender com mudanças desgastantes a desenvolver uma suave mas inabalável tranquilidade. Nossa autoconfiança cresce e fica tão maior, que a bondade e a compaixão começam a irradiar de nós naturalmente e a trazer felicidade aos outros. Essa bondade é o que sobrevive à morte, uma bondade fundamental que existe em cada um de nós. Nossa vida toda é um ensinamento sobre como revelar essa profunda bondade, e um treino para realizá-la.

Desse modo, cada vez que as perdas e decepções da vida nos ensinam alguma coisa sobre a impermanência, elas nos trazem mais perto da verdade. Quando você despenca de uma grande altura, só há um lugar possível para aterrisar: o solo; o solo da verdade. E se você possui o entendimento que deriva da prática espiritual, essa queda de modo algum é um desastre, mas a descoberta de um refúgio interno. 

Dificuldades e obstáculos, se adequadamente compreendidos e usados, podem muitas vezes tornar-se uma fonte inesperada de energia. Nas biografias dos mestres, você verificará uma e outra vez que se eles não tivessem enfrentado dificuldades e obstáculos não teriam descoberto a força de que precisavam para superá-los. Isso aconteceu, por exemplo, com Gesar, o grande rei guerreiro do Tibete, cujas aventuras compõem o maior épico da literatura tibetana. Gesar significa 'indomável', alguém que nunca pode ser derrotado. Desde o momento em que Gesar nasceu, Trotung, seu tio mau, tentou matá-lo de todas as maneiras. Mas a cada tentativa Gesar tornava-se mais forte. De fato, foi graças aos esforços de Trotung que Gesar se tornou tão grande. Isto deu origem a um provérbio tibetano: Trotung tro ma tung na, Gesar ge mi sar, o que quer dizer: 'Se Trotung não tivesse sido tão mai e intrigante, Gesar nunca teria se erguido tão alto'.

Para aos tibetanos, Gesar não é somente um guerreiro marcial mas também um guerreiro espiritual. Ser um guerreiro espiritual significa desenvolver um tipo especial de coragem que é, desde a sua origem, inteligente, bondosa e destemida. Os guerreiros espirituais podem ainda ter medo, mas mesmo assim eles são corajosos o bastante para experimentar o sofrimento, para relacionar-se de maneira franca com seu medo fundamental e, sem fugir, extrair lições das dificuldades. Como nos disse Chögyam Trungpa Rinpoche, tornar-se um guerreiro significa que 'podemos trocar nosso mesquinho desejo de segurança por uma visão muito mais vasta - a do destemor, abertura e heroísmo genuínos...' Penetrar no campo transformador dessa visão muito mais vasta é aprender a se sentir em casa em plena mudança, e a fazer da impermanência um amigo."

(Sogyal Rinpoche - O Livro Tibetano do Viver e do Morrer - Ed. Talento/Ed. Palas Athena, 1999 - p. 60/61


terça-feira, 8 de dezembro de 2020

GRATIDÃO

"Quando falamos em gratidão as primeiras coisas que vêm a mente é agradecer alguém que nos fez um favor e ajudou de alguma forma ou ainda agradecer através de uma reza ou oração.

No entanto, gradidão é muito mais que isso. A gratidão é uma ferramenta poderosa para realizar transformações em nossas vidas. Estudos apontam que ao praticar a gratidão você terá melhorias no seu humor, nos relacionamentos interpessoais e até nas finanças. A gratidão também ajuda a ter uma saúde melhor, combatendo a depressão e evitando picos de ansiedade e nervosismo.

Gratidão tem a ver com crenças ou religião. Tem a ver com psicologia. Ela é uma mudança de postura e pensamentos. E isso que serve para qualquer um, basta praticar. 

Durante nossas vida, recebemos uma cota de problemas e bênçãos. Ao analisarmos friamente, os números de coisas boas ou ruins que enfrentamos durante toda nossa existência são parecidos entre todos nós. Eu, você, seu amigo que tem uma vida perfeita nas redes sociais: todos enfrentamos problemas diariamente e todos recebem coisas boas com a mesma frequência. Ou seja, não existem pessoas que atraem problemas. Não existe aquela pessoa que tem 'dedo podre' e tudo de ruim acontece apenas com ela. O que nos diferencia é a forma de lidarmos com essas situações. 

Pensando nessa cota de problemas e bênçãos, reflita: você gasta mais tempo com as coisas ruins ou desfruta mais as coisas boas? Fazendo uma analogia com uma metáfora famosa: para você o copo está meio cheio ou meio vazio? Isso pode parecer bobo, mas esse pensamento pode mudar completamente a sua vida.

Stephen Covey, escritor do best-seller Os 7 Hábitos das Pessoas Altamente Eficazes tem uma teoria bem simples chamada de princípio dos 90/10. De todas as coisas que acontecem em nossas vidas, apenas 10% não estão sob nosso controle. Não temos como controlar se está chovendo ou fazendo sol, se o trânsito está bom ou ruim ou se o cachorro do vizinho uivou durante a madrugada. No entanto, nossa reação sobre essas coisas define, nosso modo de viver, junto com os outros 90% de coisas que podemos controlar. (...)"

(Rodrigo Filla - Vertical - Julho/Agosto/Setembro/Ano 7/número 28)


quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

AS DISTRAÇÕES DA SOCIEDADE MODERNA QUE NOS AFASTAM DA VERDADEIRA FELICIDADE

"O termo tibetano para designar corpo é , que significa 'algo que você deixa para trás', como bagagem. Cada vez que dizemos 'lü', isto nos lembra que somos apenas viajantes, temporariamente abrigados nesta vida e neste corpo. Assim, no Tibete as pessoas não se distraíam muito gastando o tempo que tinham em tentar tornar mais confortáveis suas circunstâncias externas. Elas estavam satisfeitas se tivessem o bastante para comer, roupas sobre o corpo e um teto sobre suas cabeças. Continuar pensando obsessivamente em melhorar as próprias condições, como fazemos no Ocidente, pode tornar-se um fim em si mesmo e uma distração sem sentido. (...)

Às vezes penso que a maior aquisição da cultura moderna é sua brilhante promoção do samsara e suas estéreis distrações. A sociedade moderna me parece uma celebração de todas as coisas que nos afastam da verdade, fazendo difícil viver para ela e desencorajando as pessoas até mesmo de acreditar que ela existe. E pensar que tudo isso brota de uma civilização que alega adorar a vida, mas de fato a priva de qualquer significado real; que fala sem parar sobre fazer as pessoas 'felizes', mas de fato impede seu caminho para a fonte da verdadeira felicidade.

Esse samsara moderno alimenta-se de ansiedade e depressão que ele próprio fomenta, e para as quais nos treina e cuidadosamente nutre com um mecanismo de consumo que precisa manter-nos ávidos para continuar funcionando. O samsara é altamente organizado, versátil e sofisticado. Investe sobre nós de todos os lados com sua propaganda, criando à nossa volta uma cultura de dependência quase inexpugnável. Quanto mais tentamos escapar, mais nos sentimos enredar nas armadilhas que ele tão engenhosamente nos prepara. Como dizia no século XVIII o mestre tibetano Jikmé Lingpa: 'Hipnotizados pela mera variedades de percepções, os seres vagam infinitamente perdidos no círculo vicioso do samsara'.

Obcecados, então, por falsas esperanças, sonhos e ambições que nos prometem a felicidade mas conduzem somente à miséria, somos como forasteiros rastejando num deserto sem fim, morrendo de sede. E tudo que essa samsara nos oferece para beber é um copo d'água salgada, com o propósito de deixar-nos ainda mais sedentos."

(Sogyal Rinpoche - O Livro Tibetano do Viver e do Morrer - Ed. Palas Athena, São Paulo, 2000 - p. 40/41)